Tem sido um ano interessante para uma das maiores bandas de heavy metal do
mundo. Os membros do Iron Maiden tinham acabado de produzir seu décimo sexto álbum
de estúdio, em Paris, no final de 2014, quando o vocalista da banda, Bruce
Dickinson, sentiu que algo não estava certo. Uma visita ao seu médico confirmou
que Dickinson tinha um tumor cancerígeno em sua língua e teria que passar por
tratamento médico intensivo. Esta seria uma notícia chocante para qualquer um,
mas para o vocalista da lendária banda era realmente assustadora.
Felizmente, o tumor foi encontrado a tempo de ser tratado, mas a notícia
foi alarmante o suficiente para causar, até mesmo aos membros da banda,
preocupação e receio de que isso poderia ser o fim do Iron Maiden. Fãs se
perguntaram como tal destino poderia acometer um artista que tinha acabado de
terminar uma turnê mundial maciça, soando melhor do que nunca e que, com 56
anos, ainda corre o equivalente a várias milhas durante um único show e é capaz
de envergonhar vocalistas décadas mais jovem que ele. Mesmo com o álbum terminado,
a banda colocou o lançamento e uma turnê mundial em espera até que Dickinson fosse
dado como livre do câncer.
Os fãs do Iron Maiden são como um culto, veem a banda como divindade
sagrada do metal, que só pode ser falada com total respeito e admiração. Por
esta razão, houve pouco desabafo sobre o atraso, porque os fãs e a banda
prefeririam, igualmente, ver o cantor saudável e no auge de sua voz. Agora que
Dickinson está em fase final de recuperação, o álbum, chamado The Book of Souls,
está programado para lançamento em 04 de setembro. É o próximo album, desde
2010, quando foi lançado o elogiado “The Final Frontier”. Como uma das poucas
pessoas que tiveram a sorte de ouvir The Book of Souls, posso dizer, honestamente,
que vale a pena a espera. Não só é o mais longo álbum do Maiden, chegando a 92
minutos em 11 faixas, como também, sem dúvida, é um dos passeios mais épicos de
uma banda que, mesmo com mais de três décadas sob o cinto, ainda continuam a
inovar o seu som. “The Book of Souls” traz cada membro da banda, mostrando uma
quantidade igual de energia criativa. É também o primeiro álbum do Maiden,
desde 1984 (Powerslave), a trazer duas faixas exclusivamente escritas por Bruce
Dickinson, uma das quais tem pouco mais de 18 minutos, tornando-se a canção
mais longa que a banda já gravou. Na verdade, só há uma canção ("Tears of
a Clown"), que term menos de 5 minutos. Ficando animado ainda?
A partir de agora, a banda também,
sabiamente, decidiu não mostrar qualquer
música do album antes
de seu lançamento, um movimento que está em contraste direto com a cultura de hoje, de fluxos antecipados, provocações de álbuns e outras construções de campanhas publicitárias
gratuitas. E por isso nós viramos para
um dos guitarristas da banda, o sempre
eloquente Janick Gers, para encher-nos sobre
tudo o que acontece no mundo do Iron Maiden e o que podemos esperar da banda no ano
que vem.
Glide: Como foi a
experiência de gravar o álbum, considerando as circunstâncias com o Bruce?
Janick: "Na verdade, ninguém sabia que Bruce estava doente, quando fizemos o álbum. Gravamos juntos, entre setembro e início de dezembro, e Bruce estava cantando
fantasticamente. Na verdade, ele estava hospedado comigo, estávamos no mesmo hotel - o
resto da banda estava em lugares diferentes -, por isso,
saímos e tomamos umas bebidas e conversamos
sobre como as coisas estavam indo.
Ficamos muito felizes com o álbum e sua
voz estava soando ótima,
auto e borbulhante, como habitual - estava animado com o álbum e nós estávamos nos divertindo.
Não faz muito tempo que ele voltou da Inglaterra e disse que tinha um
abscesso, que ele já tinha antes, teve um par de dentes retirado, e ele (o
abscesso) voltou. Foi só então que ele me disse: "Eu estou de novo com esse
abscesso". Ele não podia beber, porque ele estava tomando antibióticos. Eu
não tinha qualquer pista, ninguém tinha qualquer pista, mas, depois, recebi uma
mensagem de Andy Taylor, um dos nossos gestores, que me disse o que aconteceu.
Eu estava em choque, porque Bruce estava cantando incrivelmente bem. Obviamente,
tivemos que esquecer tudo para este ano. Bruce foi muito positivo, diagnosticou
o câncer muito cedo e o médico lhe disse que ia ser curável. Foi em sua língua,
nem de longe em suas cordas vocais, e ele está livre disso agora. Eu o vi a
algumas semanas atrás e ele estava com boa aparência. Ainda estava um pouco
mais magro por causa da quimioterapia; ele
não está de volta para correr 10km ainda, mas parece bem, está falando bem. Eu
não sei como sua voz está, porque teve radioterapia
em sua garganta, então, obviamente, está bastante inchada, mas quando nós
fizemos o álbum, não se tinha ideia sobre isso, e só se tornou aparente no
término das gravações. Por isso não afetou o álbum, apenas afetou o fato de que não estaremos em
turnê esse ano."
Glide: Uma coisa
que se destaca é que este é o primeiro álbum de estúdio duplo da banda e há
algumas canções realmente longas nele, mas músicas longas não é exatamente uma
nova parte do repertório do Maiden. Por que você acha que demorou tanto tempo
para fazer um álbum duplo? Quase parece estranho que tenha demorado tanto.
Janick: "Estamos vivendo um tempo em que a atenção das pessoas escapa a grandes
extensões, elas têm capacidade de concentração de um mosquito. Este é um álbum
triplo na realidade - é um álbum de vinil triplo e um CD duplo. Nós apenas
fazemos o que queremos fazer e sempre fizemos isso - sempre nadamos contra a
maré. Não era que nós propusemos a fazer, mas trouxemos muitas ideias para o
estúdio e todas elas foram boas. Algumas das músicas não tinham muito tempo
quando foram apresentadas, mas acabaram com muito tempo quando nós a
terminamos. Todos da banda podem trazer uma hora de valor à música. Você pode
apenas usar 15 minutos disso, mas tem-se uma hora de material que é realmente
bom. É um indicativo de como todos na banda são criativos. Esta banda vem
acontecendo, há muito tempo, e nunca tem que buscar restos, porque há sempre
tantas ideias para usar - melodias, músicas, temas. Acabou ficando com 11
músicas em 92 minutos, que é bastante longo para um único álbum. Eu acho que
está bom; nós apenas entramos e experimentamos coisas diferentes, e nunca nos
restringimos em termos de melodias e músicas. Este álbum apenas dita onde
estamos agora, em 2015. Nós não somos uma banda que anda para trás, nós sempre
olhamos para frente e sempre tentamos desenvolver novas ideias, novas
estratégias, novos riffs de canções, e fazendo canções para diferente vias. E
eu acho que este álbum prova que ainda estamos ativos; as músicas são poderosas
e nervosas. Há todo tipo de canção neste álbum e há estilo para todo mundo –
influenciada classicamente, influenciada pelo jazz, influenciada pelo rock e influenciada pelo
blues - está tudo lá e é apenas um indicativo sobre a banda."
Glide: Já
houve um momento em que você e a banda pensaram que The
Final Frontier seria o último álbum
do Iron Maiden?
Janick: "Na verdade, cada álbum eu acho que pode ser o último. Com “The Final
Frontier" fizemos uma longa turnê. Eu não acho que nós batemos a América com
ele, mas nós batemos em qualquer outro lugar no mundo, de modo que você está passando
por uma turnê de seis ou sete meses e ninguém sabe o que vai acontecer. Você
pode cair fora, algumas pessoas na banda podem naõ apreciar mais, então, você
sempre pensa que esta pode ser a última turnê. Nós somos uma banda que tem estado
junta há um longo tempo, e aí você vê o que aconteceu com Bruce, que me chocou internamente,
fiquei arrasado, foi um grande choque para todos, então, nunca se sabe quando será
a última turnê. Eu odeio essas bandas que falam "esta é a nossa última
turnê", e voltam um ano mais tarde com um novo álbum e uma turnê. Nós
vamos seguindo enquanto estamos gostando e quem sabe quando será última turnê? Acabou-se de fazer o melhor álbum que você
pode naquele momento em sua carreira. É por isso que eu nunca saio e digo que
este é o melhor álbum que já fizemos. Ouve-se um monte de bandas dizerem isso,
mas nunca se deve dizer isso! Você diz que este é o melhor álbum deste momento,
no tempo que poderíamos fazer e estou muito orgulhoso dele.
Estou orgulhoso de cada álbum que já
fizemos, pois cada um deles foi
uma afirmação de que estávamos
naquele ponto no tempo. Isso é
tudo o que você pode fazer. Com
uma banda você viaja pelo mundo,
vê um monte de coisas, toma tudo musical e sonoramente,
então, quando vamos escrever um álbum, tudo vem derramando
de você na música. Isso é onde você está no
momento e se você fica orgulhoso
dele no final, então isso é realmente
o melhor que você pode fazer."
Glide: São muitas
coisas loucas que vêm acontecendo no mundo, muitas coisas sombrias, de alguma
forma isso se reflete na composição das músicas ? Como juntam os eventos atuais
e o estado das coisas nas músicas?
Janick: "Eu acho que tudo o que você vê e faz sai no que
você escreve. É primordial seus sentimentos saírem nas canções. Vivemos em uma
época onde tudo tem que estar na Internet o tempo todo. Você tem as notícias 24
horas, que têm de ser atualizadas a cada cinco minutos. Quer ou não, o mundo é
tão perigoso como a mídia gosta de retratá-lo. É sempre assim, então, você
tende a obter esta barragem constante de atenção da mídia em todo o mundo,
porque estamos on line o tempo todo. Isso tem que ter um efeito. Tudo que vemos,
tocamos e sentimos tem um efeito sobre a composição. Tentamos olhar para tudo de
forma positiva, e acho que nossa música transcende as barreiras da cultura e
pode passar para qualquer pessoa que queira ouvir Iron Maiden ou quer vir e
ver-nos tocar. É fantástico, e temos atravessado uma série de barreiras, é
universal."
Glide: Eu
sempre quis perguntar isso, desde
que nós estavamos falando sobre composição. Steve Harris geralmente
faz uma vistoria nas letras. Como
é trabalhar em canções com
ele, quando ele parece ser o autor intelectual?
Janick: "Eu realmente não vejo isso. Trazemos músicas e podemos
trazer um riff em que Steve está de fora, mas quer escrever algumas palavras
para esse riff. Ou ele pode vir com uma ideia. Não há restrições para a nossa
forma de escrever. Se Adrian [Smith] traz uma canção, Bruce pode escrever com
ele ou o Steve. Eu acho que é bastante aberto. Você pode trazer uma hora e meia
de música e só usar 15 minutos, mas isso é ótimo porque você está trazendo
lotes e lotes de ideias para ele. Com "The Book of Souls" eu trouxe
músicas e Steve teve algumas grandes ideias vocais tematicamente e, juntos, reorganizamos.
Ele também tinha alguns refrões, que queria colocar aqui e ali, e trouxe
algumas melodias diferentes e queria colocar sobre esses refrões. Eu,
certamente, não sinto uma natureza opressiva de Steve. Ele é muito positivo e
traz grandes ideias para tudo."
Glide: Há uma introdução acústica em "Book Of Souls", que você escreveu com
Steve Harris. De quem foi a ideia?
Janick: "Eu trouxe essa
ideia e pedi que o Steve adicionasse letra e acrescentasse ideias de melodia
dentro da música também. Você pode trazer um riff, ele pode definir outra coisa
para o Bruce e pode trazer um novo som para ele. Não há limites e isso fica
muito interessante, não fica chato. Você pode trazer um coro que o Steve goste
e coloque em uma canção. É muito livre o que fazemos. Eu poderia escrever 10 ou
12 canções e poderíamos usar uma ou duas delas. Para este álbum em particular
trabalhamos assim, todos nós trouxemos material extra. Em uma canção como “The
red and the black” Steve definiu o que ele queria para o baixo, sabia
exatamente as melodias que queria jogar. Mas, em seguida, Bruce trouxe “Empire
of the clouds”, com um arranjo lindo e nós apenas embelezamos algumas partes.
Bruce e Adrian trouxeram músicas sólidas e nós apenas acharmos elas exatas,
então, não há uma forma de composição em conjunto, trazemos uma variedade de
ideias e trabalhamos com elas."
Glide: Uma coisa que eu notei, dentro do que sei, é que vocês não lançaram um
single ainda, que é bastante
ousado no atual panorama da mídia
de singles e streaming.
Existe um raciocínio
consciente por trás disso dentro
da banda?
Janick: "Bem, não queríamos soltar nada agora, enquanto Bruce estava se recuperando. O álbum teria sido lançado
no início do ano, mas nós puxamos
tudo, inclusive a turnê, porque
queríamos que Bruce ficasse melhor. Para mim, isso é mais importante do que qualquer coisa, por isso, seguramos o
lançamento. Ele está liberado agora e a ideia é esperar
até setembro. E o que acontecerá
agora? Eu não sei, mas não é bom esperar por algo
e ter tudo de uma vez? Essa coisa toda de Internet
estragou um pouco, porque o bom é
esperar por algo e ter tudo de
uma vez, ao invés de ”bips e
bops” de cada vez."
Glide: A banda vai fazer uma turnê
mundial em suporte ao álbum.
Você pode falar sobre quando isso
vai acontecer e o que os fãs podem esperar tanto
quanto um set list e a performance no palco?
Janick: "É muito cedo para dizer, mas queremos fazer uma turnê e estamos
pensando em lançar no próximo ano, provavelmente no final de janeiro ou início de fevereiro. Esperamos que Bruce esteja totalmente recuperado, ele já está realmente bom e com uma voz excelente. É apenas uma questão de estar bem fisicamente também.
Então, vamos sentar,
lançar o álbum, e espero fazer uma turnê
mundial no próximo ano, que será
baseado no álbum."
Glide: Em comparação com álbuns anteriores do Maiden, o trabalho de capa para “The Book of Souls” é austero e despojado.
Como isso aconteceu?
Janick: "Bem, o título do álbum The Book of Souls
[é baseado] nos Maias. Essa foi a idea que Steve
teve para a tour e
para a capa do cd. Tivemos a ideia e indicamos Mark Wilkinson,
que já trabalhou com a gente, para fazer a arte da capa. É impressionante como ela se liga com “The Book of Souls” e à ideia mística dos
Maias e Astecas. A
capa também se comunica com
outras faixas do álbum."
Glide: Ele definitivamente se destaca em
comparação com todos os álbuns do
Maiden que são preenchidos com cor
e um monte de coisas acontecendo
selvagemente e aqui você tem apenas uma figura.
Janick: "Sim, talvez ele seja um Maia."
Glide: A última coisa que eu quero saber é, para você, pessoalmente, se você pudesse tocar um álbum do Maiden
em sua totalidade ao vivo, qual seria?
Janick: "Wow. Há tantas músicas no catálogo
anterior! Nós fizemos a tour do A Matter of Life and Death em sua totalidade, e todos disseram que seria suicídio comercial. Foi
fantástico. Eu realmente gostei e me senti muito gratificado, mas acho que há
tantas músicas de nossa carreira passada que, para fazer isso, estaríamos
deixando muitas grandes canções de fora. Eu acho que é bom misturar e combinar ao
invés de tocar um álbum completo. Temos uma carreira de décadas, por isso é bom
pegar fragmentos. Nas duas últimas turnês, não tocamos "Hallowed Be Thy
Name", e dois anos antes [na Somewhere Back In Time Tour], não tocamos "The Trooper". Essas são músicas que as pessoas
realmente querem ouvir. O que tentamos fazer é colocar seis ou sete músicas
novas e apimentar com músicas antigas, assim todo mundo desfruta do show. Sempre
queremos tocar o material novo, porque é o que se está vivendo agora. Eu não
sou alguém que olha para trás. Há um monte de bandas por aí que são uma paródia
do que eles costumavam ser, tentam e reeditam o passado, e eu não acho que se
possa fazer isso. Tem que se olhar para o futuro. É muito importante, quando se
tem um novo álbum, tocar as coisas novas. Estamos em 2015 e eu acho que nós
somos uma banda realmente ativa. Este álbum é muito convincente; ele é
poderoso, é emocionante, é temático, ele tem tudo o que você poderia desejar de
um álbum do Iron Maiden."
Fonte: Glide Magazine
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