Biografia – Bruce Dickinson
Despedir Paul Di’Anno do Maiden foi um gesto de desespero
para a banda. Só aconteceu quando a situação se tornou insustentável. Afinal,
Paul era um grande vocalista e tinha deixado sua marca na história do grupo. No
entanto, essa atitude – que muitos pensaram impensada e fatal – acabaria
beneficiando a carreira do Iron de uma forma quase inacreditável. Seu
substituto, Bruce Dickinson, era mais do que um entre outros grandes cantores.
Talvez fosse o único capaz de cantar com total eficácia o novo material que
Steve Harris estava escrevendo.
De qualquer forma, ele foi perfeito para a banda e a
banda foi perfeita para ele. E o novo vocal possuía a personalidade ideal para
tal cargo. Ao contrário de Di’Anno, e bem ao gosto de Harris, Bruce sonhava com
os maiores palcos do mundo, não temia o sucesso avassalador do Iron e estava
pronto para encarar tudo com muito profissionalismo. O resultado foi uma série
de álbuns eternos, brilhantes e shows que ficariam na história do Metal de
todos os tempos.
Bruce nunca foi uma pessoa limitada, em todos os aspectos
de sua vida: não satisfeito de ser um dos maiores vocalistas de rock do mundo,
voltou sua aparentemente inesgotável capacidade criativa para diversas
atividades que cumpriu com muito gosto: autor de dois livros de ficção, exímio
esgrimista, piloto amador, além de se arriscar na direção de vídeos e ser
apresentador de rádio e televisão. Mesmo hoje em dia, aos 43 anos, casado pela
segunda vez – com Paddy – e pai de três filhos – Bruce continua o artista
irrequieto e criativo que sempre foi. Quem viu sua performance no Rock In Rio 3
deve ter tido uma pequena amostra da notável energia deste que é, sem dúvida,
um símbolo do Maiden tão forte quanto seu criador. A maior prova disso vem das
palavras do próprio Steve Harris, que afirmou em 1998, em pleno período que
andava às turras com o cantor: “Para ser honesto com você eu tenho que dizer
que era mais o tipo de voz do Bruce que eu realmente imaginei cantando as
minhas músicas do Maiden, desde os primeiros tempos. Apenas ocorreu de Paul
chegar primeiro.”
Mas o início de sua vida, como quase tudo relacionado ao
Maiden, não foi exatamente o mais fácil do mundo. Muito pelo contrário, suas
dificuldades o levariam a querer superar os diversos obstáculos e traumas de
sua vida para crescer e se tornar o ídolo que sonhava.
Paul Bruce Dickinson nasceu no dia 7 de agosto de 1958,
em Worksop, uma pequena cidade mineira do condado de Nottinghamshire. Apesar de
seu primeiro nome ser Paul, ele sempre preferiu ser chamado de Bruce, mesmo
quando criança. Os pais de Bruce ainda eram adolescentes quando se casaram. Foi
um daqueles famosos casamentos apressados devido à gravidez da moça, um pequeno
escândalo ainda mais se considerarmos que estávamos na conservadora sociedade
britânica dos anos 50. O casal mal tinha saído da escola e, obviamente, não
tinham dinheiro. Por isso foram viver com os avós de Bruce , que acabaram
assumindo muito da criação do menino.
“Eu fui meio que um acidente de percurso.” diz Bruce
sobre sua vinda ao mundo “Minha mãe tinha 16 ou 17 anos quando engravidou, e
meu pai tinha 17 ou 18. Eles então se casaram e eu nasci uns 4 ou 5 meses
depois. Minha mãe trabalhava numa loja de sapatos, meio período, enquanto que
meu pai estava no exército. Ele era mecânico especializado em motores, mas
perdeu sua licença de dirigir porque aprontou demais. Então ele pensou:
‘Foda-se’ e entrou como voluntário no exército. Porque lá eles pagavam mais e
com isso ele conseguiu sua licença de volta na hora. Minhas lembranças são de
ter sido basicamente criado pelos meus avós, porque meus pais eram muito novos.
Meu avô era um trabalhador das minas. Minha avó era uma dona de casa que de vez
em quando fazia uns trabalhos como cabeleireira no quarto da frente. Minha
primeira escola foi a Manton Primary, que era conhecida como um lugar duro
naquela região. Todos os garotos da área estudavam lá. Mas nunca me pareceu
dura, eu achava muito divertida, realmente. Eu me lembro de minha infância na
época como sendo extremamente feliz.”
Mas na época em que Bruce estava pronto para ir para o
primeiro grau seus pais tinham se mudado de Worksop, deixando-o com seus avós
enquanto se dirigiam para Sheffield – a cidade grande mais próxima, altamente
industrializada, onde trabalho naquela época era mais fácil de se achar.
Bruce Dickinson: “Meus pais se mudaram, porque os
empregos estavam na ‘fumaça’, como Sheffield era chamada. Eu realmente nunca
senti como se tivesse um pai e uma mãe. Meu avô era o que chegava o mais perto
de ser um pai. Ele era ótimo. Meu avô estava provavelmente nos seus 45 anos
naquela época, o que é realmente uma boa idade para se ser pai. Eu me lembro
dele me ensinando boxe. Ele me ensinou como lutar antes de eu entrar para a
escola. Ele me disse: ‘Se alguém disser alguma coisa na escola, bate nele!
Fique firme e não deixe ninguém te dominar.’ E eu fui mandado de volta para
casa no dia seguinte, porque eu tinha entrado na escola e batido em todo mundo!
Então ele me deu uma dura me ensinando quando eu deveria bater e quando eu não
deveria bater em alguém. De certa forma eu acho que eu fui o filho que ele
nunca teve. Mas para a minha avó eu sempre seria o bastardinho que levou sua
filha a ficar longe dela. Ela dizia que quando olhava para mim ela sempre via o
meu pai. E eu realmente me parecia com o meu pai eu acho, pelo menos o rosto um
pouco.”
Uma criança que conseguia ser feliz, senão um tanto
solitária, que quando estava zangada se arrastava atrás do sofá e não saía de
lá – “Eu não queria que ninguém me visse”. A primeira experiência musical de
Bruce foi dançando “The Twist” de Chubby Checker na sala de estar dos seus
avós. “Meus avós costumavam por o disco e eu dançava o Twist para todo mundo.
E, claro, naquela idade você pensa que isso é o máximo.” O primeiro disco que
ele se lembra de ter ganhado foi “She Loves You” dos Beatles.
“Nós tínhamos um toca discos e um rádio e eu dei um jeito
de convencer meu avô a comprar para mim “She Loves You”, que foi o número um
durante semanas e semanas e era do tipo de disco que você tinha que ter, sabe?”
recorda Bruce “E talvez por causa disso, eu não sei, mas eu me lembro que
pensei que o lado b do disco era melhor do que o lado a, e foi aí que eu
comecei a ouvir música e decidir o que eu gostava e o que eu não gostava. Eu me
lembro de ter gostado das harmonias do lado b de um compacto do Gerry And The
Pacemakers, chamado “I’ll Never Get Over You”. Então eu fiquei sabendo de um
garoto na rua que tinha uma guitarra elétrica e todo mundo falava nisso no
maior burburinho. Eu devia ter uns cinco anos de idade e eu me lembro de ter
visto este garoto com a guitarra elétrica, e isso foi como, bimba! Ele era um
adolescente, devia ter uns 16 anos e ele parecia como um deus para mim. Ele
tinha um cabelo longo – bem, longo para a época, devia ser um pouco abaixo das
orelhas – e ele tinha sapatos pontudos e todas aquelas coisas. Eu quero dizer,
parecia que ele tinha saído direto da televisão.”
Televisão naquela época foi crucial para que Bruce
aprimorasse seu gosto musical. Embora seu tempo de assistir a programas fosse
racionado, ele não perdia seus programas favoritos: Jukebox Jury – um programa
de auditório em que alguns convidados especiais votavam sobre os mais recentes
lançamentos musicais decidindo se o consideravam um sucesso (hit) ou fracasso (miss)
– e Doctor Who, um dos primeiros seriados de ficção científica.
“Eu sempre assistia a Jukebox Jury porque era antes de
Doctor Who, aos sábados à noite. Então os dois programas acabaram inseparáveis
em minha mente. A excitação de ver os Beatles ou quem quer que fosse no Jukebox
Jury era parecida com a excitação que sentia de ver os Cyberman de Doctor Who.
Eles eram ambos de mundos diferentes para mim. Eu não estava particularmente
interessado em ficção científica, mais fatos científicos, realmente. Eu era
incrivelmente obcecado pela lua e o espaço, ao ponto de eu pegar grande painéis
de papel de parede e desenhar planos para minha própria espaçonave, todo o
equipamento de navegação e o resto. Planos realmente detalhados, sabe? A mesma
coisa com um submarino, que eu desenhei quando eu tinha nove anos. Ia ser
construído a partir de latas de lixo soldadas umas nas outras, com cerca de um
metro de comprimento. Eu adorava a idéia de viver debaixo da água, como o
capitão Nemo – ou flutuando no espaço, ou qualquer outro lugar exceto a
realidade. Eu estava muito interessado na chegada à lua; a primeira chegada não
tripulada à lua foi no começo dos anos 60. Eu me lembro de tentar dizer à minha
avó o quanto importante isso era, porque ela ia usar o jornal para acender o
fogo com ele. Eu disse: ‘Você não pode jogar isso fora!’ Eu não sei o que eu
esperava que ela fizesse com aquilo, eu apenas achava que era muito importante
para ser jogado no fogo. Mas assim eram os anos 60, crescendo naquele tempo eu
sentia que não havia limite para o que você podia fazer.”
Exceto talvez em Sheffield, para onde Bruce foi
despachado aos 6 anos, assim que seus pais conseguiram arranjar uma casa e
empregos estáveis naquela cidade. “Eles nunca ouviam música.” relembra Bruce
“Meus pais estavam totalmente focados em conseguir dinheiro. Era esquisito,
eles eram muito rígidos. Então mais tarde eu descobri que tinham viajado pelo
mundo ou coisa parecida. Eles trabalhavam em parceria com um show de cachorros,
com, tipo, poodles pulando através de aros. Minha mãe costumava dançar muito,
ballet, e ela era muito boa, tinha uma grande presença e tudo mais. Ela tinha
ganhado uma bolsa para estudar no Royal College Of Ballet e minha avó não a
deixou ir. Então ela ficou grávida e foi o inferno. Aí a dança virou sua
maneira de sair desse inferno. Sair de Worksop, da loja de sapatos e tudo
mais... então tinha toda essa outra vida que eu não conhecia nada quando era
garoto.”
Talvez o único estímulo da família viesse de um velho
violão que seu pai tinha, mas que nunca tocou. “Era muito, muito ruim, mas eu
estava fascinado com ele. Era uma coisa velha, horrível, impossível de se
tocar. Eu não acho que ninguém conseguia tirar nada daquilo. Então eu costumava
pegá-lo e ficar tirando uns barulhos dele, fazendo sons terríveis e ficando com
calos nos dedos.” Quando chegou a Sheffield Bruce foi mandado para uma escola
primária local, notória por ser um local duro. “Era a Manor Top e, tanto quanto
eu saiba, continua lá. Eu não sei como ela é agora, mas quando eu fui para lá
ela era como um campo de concentração” Ele relembra com um sorriso torto. Como
o garoto novo do pedaço, Bruce foi tão surrado e incomodado que seus pais
tiveram que tirá-lo de lá e o matricularam numa pequena escola particular, a
Sharrow Vale Junior. “Eu estive na Manor Top durante uns seis meses, talvez. E
então nos mudamos – nós estávamos constantemente nos mudando de casa para fazer
dinheiro. Meus pais costumavam comprar uma casa, arrumavam-na, aí a vendiam,
para depois comprarem outra e começavam tudo de novo. Por boa parte de minha
vida eu estava morando numa construção. Mas meus pais tinham chegado a um ponto
onde eles estavam começando a fazer algum dinheiro. Compraram uma pensão. Eu
acho que meu pai comprou uma garagem falida e começou a dirigi-la também. Ele
estava sempre vendendo carros de segunda mão perto da entrada do hotel...
Como resultado dos incansáveis esforços de seus pais, na
sua adolescência Bruce foi despachado para um colégio interno de segundo grau
também pago, chamado Oundale, em Shropshire. “Eu não me importei em ir para
lá.” comentou Bruce “Eu não me sentia particularmente feliz em estar com meus
pais, por isso eu vi essa ida como uma escapatória. Eles me perguntaram se eu
realmente queria ir , eu tinha uns doze anos e respondi que sim. Eu acho que
era porque eu não tinha criado nenhum vínculo real com eles quando eu era
muito, muito novo e também pelo fato deles terem muita dificuldade de se
relacionar comigo de uma maneira profunda como pessoa.” Bruce se ressentia
disso, mas hoje em dia olha para o outro lado da coisa: “Havia outras ocasiões
que eu ficava surpreso de como eles podiam ser compreensivos com as coisas. Eu
um dia roubei um carro de brinquedo de uma loja e fui apanhado. Passei um
aperto com a polícia e tudo mais. E, claro, você tem 11 anos e eles tentam te
fazer cagar de medo para que não faça isso de novo. E isso funcionou: eu me
caguei de medo e desde então não furtei mais nada. Mas eu me lembro que meu pai
teve que vir até a delegacia para me soltar e eu fiquei surpreso que não tenha
me colocado no colo e me dado uma surra. Por outro lado ele nunca conversou
comigo para saber porque eu tinha feito aquilo. Expressar seus sentimentos mais
íntimos não estava no programa de minha família. Meu avô, que estava muito doente,
mais tarde engoliu um monte de pílulas e tentou se matar. Mas ninguém falou
sobre isso depois, e ele estava vivendo conosco naquela época – meus avós
tinham se mudado conosco para o hotel então.”
“Mas de certa forma eu estou bastante agradecido pelo fato
de não ter tido o que é convencionalmente conhecido por uma infância feliz e
descomplicada. Isso me fez uma pessoa muito auto-suficiente. Eu cresci num
ambiente que me mostrou que o mundo nunca iria me fazer nenhum favor. Que se
você ficar parado e esperar por algo você vai acabar sendo pisoteado. Isso foi
injetado em mim por causa do jeito que meus pais eram. Eles eram muito
auto-suficientes e trabalhavam duro. Eles nunca paravam. E eu tinha muito
poucos amigos íntimos, muito poucos, porque, você sabe, eu nunca ficava
encontrando com ninguém por muito tempo. Eu estava sempre me mudando. Eu não
acho que meu pai tivesse muito mais amigos tampouco. A única que tinha muitos
amigos era minha irmã Helen, que nasceu não muito depois que eu me mudei para
Sheffield. Ela o completo oposto de mim – totalmente sociável. Ela saía por aí
e tinha centenas de amigos!”
Mas a educação em escolas privadas de Bruce chegaria a um
fim brusco quando, aos 17 anos, foi expulso pelo crime meio surreal de ter
urinado no jantar do diretor. Para entender bem esta estória é preciso ter em
mente que o internato britânico é um dos mais conservadores de todo mundo
ocidental. Poucas coisas mudaram desde o século passado neles e alguns métodos
mais parecem medievais. Isso sem falar no inferno que veteranos fazem os
calouros passar dentro destas instituições. Assim sendo Bruce sentiu na pele o
que era ser atormentado quase que diariamente com todo o tipo de brincadeiras
de mau gosto e surras dos mais velhos. Não eram brigas de socos como as que
tinha tido de enfrentar em lugares como Manor Top. “Eram mais como uma tortura
sistemática.” explica ele “Você não podia escapar, esta era a coisa. Em Manor
Top pelo menos você podia voltar para casa no fim do dia.” Seu maior tormento
era o ‘capitão do dormitório’ (uma espécie de chefe de turma), um rapaz de 18
anos, com cerca de 1,90 m de altura ( e “com a idade mental de 12 anos” ).
Bruce conta que a brincadeira favorita de seu chefe de dormitório era “de
chegar às 10 da noite, pegar um travesseiro, transformá-lo numa arma, juntar
todo mundo em torno da minha cama e me dar uma lição de auto defesa me surrando
até não poder mais.” E seria assim por todo o seu primeiro ano...
“Essas coisas aconteciam literalmente a cada noite. E
você ia para a cama algumas noites e eles tinham colocado seis ovos quebrados
dentro dela e tudo estaria ensopado, todas as roupas estavam molhadas, tudo
arruinado e impossível de dormir neles... Eu sei que eu poderia ter chamado
meus pais, mas isso teria sido me acovardar, então eu não o fiz. Eles ficaram
sabendo cerca de um ano e meio depois. Gozado, eu achava que falar para os meus
pais ou professores seria uma forma de deixá-los ganhar. Eu estava determinado
a não deixar isso acontecer. Você não pode deixar as pessoas arrancarem o
melhor de você, essa era minha atitude. Mesmo quando está ali estendido no chão
todo espancado, você ainda assim pode dizer: ‘Tudo bem, você é maior do que eu,
pode me bater à vontade, mas você não é superior.’ Assim sou eu, cara. E foi o
que aconteceu comigo. Eu costumava chorar até não poder mais escondido, mas
nunca, nunca, nunca mostraria esse tipo de... de fraqueza... em público, porque
assim eles teriam vencido.”
Bruce cresceu como sendo filho único, constantemente
mudando de casas, escolas e até de pais. Ele se sentia distante até mesmo de
sua irmã – coisa que confessa sentir um pouco até hoje – porque “Ela foi uma
criança planejada, você sabe. Então eu comecei a sacar que eu era esse...
deslocado (obs. em inglês: outsider. Que quer dizer uma pessoa que não está
dentro de um determinado sistema). E eu só aceitei isso. Mas foi quando eu
comecei a, vamos dizer, fazer coisas diferentes. Eu em lembro que eles tinham
um curso na escola de cadete para o exército que todo mundo odiava, então eu
resolvi ficar com a liderança daquilo. E eu podia cuidar de toda a munição de
verdade, e armas, e todas esses revólveres e coisas assim.” Com acesso a esse
tipo de coisa e ajudado por outro deslocado que passava pelos mesmos apuros,
nosso herói, aos 16 anos, cuidou de se vingar de seus algozes preparando
pequenas bombas de pólvora e fazendo armadilhas com elas. “Oh, Deus, nós
manipulávamos um material que era tão perigoso! Preparando pequenas armadilhas
para as pessoas. Não para machucar, mas para assustá-las.” ele relembra.
Foi nessa época, muito longe de se imaginar um cantor,
que Bruce teve seu primeiro passo para o lugar que se sentiria à vontade. Foi
entrando para aulas de teatro na escola. “A primeira vez que subi no palco, eu
adorei. Eu me senti confortável na hora, então eu comecei a ser voluntário para
qualquer peça que estivesse sendo montada. Eu fiz uma porção. Eu até mesmo
acabei dirigindo algumas delas. Eu amava isso. Não tanto a roupagem, mas a
linguagem, e tentar entrar na cabeça do que estava acontecendo na peça. Nós
encenamos Shakespeare – o departamento de teatro era muito ambicioso, e eu me
lembro de tomar parte dessas produções bastante elaboradas de McBeth e Henrique
VI. Eu costumava dar muito duro para tentar e entender o que estava sendo dito
no papel e dar algo a ele, entende?”
Mas a música não estava muito longe de deixar sua marca
no adolescente Bruce. O hábito de ouvir rádios de pilha debaixo dos
travesseiros durante a noite, após o horário de apagar as luzes, era muito
comum numa escola interna que restringia terrivelmente os alunos no tocante às
horas de folga.
“Nós só tínhamos permissão de ver televisão uma hora por
semana, conseqüentemente o único outro tipo de diversão externa que tínhamos
era música. E os caras estavam sempre trocando discos ou vendendo-os de segunda
mão. Você caminhava pelos corredores e vinha música de quase todas as salas. E
eu ouvi um dia essa coisa soando no quarto de alguém um dia, eu fui lá dentro e
perguntei: ‘Oooba! O que é isso?’ e eles olharam para mim com desdém e
disseram: ‘É Child In Time do Deep Purple. Você não sabe de nada?’ Mas eu
estava muito fascinado para me importar. Eu fiquei tipo ‘Yeah, mas onde eu
posso conseguir esse disco?’ O primeiro disco que eu comprei na minha vida foi
o In Rock do Deep Purple, arranhado até não poder mais, mas eu pensei que era o
máximo. E foi isso que começou a me fazer começar a comprar álbuns e ficar por
dentro de rock. Isso e os concertos. Uma banda sempre ia tocar na escola. A
cada quatro meses então nós tínhamos um concerto de rock. A primeira
apresentação que fui na vida foi a de uma banda chamada Wild Turkey. E eu me
lembro que li uma entrevista com eles pouco depois na Melody Maker ou coisa
assim, e eles foram perguntados sobre qual teria sido a tour deles, e um deles
respondeu: ‘É engraçado, mas o melhor show de toda a turnê foi um que demos
nesse colégio interno.’ Eu me lembro que fiquei completamente maluco, minha
camisa até saiu!”
Houve outros concertos que marcariam a vida do jovem
estudante, como o que o Van Der Graaf Generator tocou por lá (uma inovadora
banda progressiva) e Arthur Brown (“Seu disco Kingdom Come tinha acabado de
sair e era fantástico – o melhor cantor que já tinha visto” ). “A música que se
apresentava por ali era sempre meio progressiva, muito ligada a discos
conceituais. Era esta a minha dieta de música ao vivo. Mas quanto aos discos,
eu sempre ouvia o primeiro disco do Black Sabbath, In Rock do Deep Purple,
Aqualung do Jethro Tull, Tarkus do Emerson , Lake & Palmer – tudo que
encontrava. Eu quero dizer, eu devia ser o sonho de qualquer publicista, porque
toda banda que eu via ao vivo eu comprava o disco. Depois eu ia atrás e
comprava os discos daquelas bandas que os teriam influenciado na carreira, você
sabe. Mas a minha banda favorita era o Deep Purple. Eu apenas achava que o
disco ‘In Rock’ era a melhor coisa de todos os tempos!”
Mas ser um cantor era uma coisa que ainda não tinha
passado pela cabeça de Bruce. Originalmente ele se via como um candidato a
baterista. “Ian Paice do Deep Purple era meu maior herói, eu só queria ser Ian
Paice” ele confessa “Mais especificamente eu queria ser o pé esquerdo do Ian
Paice! Mas eu não tinha dinheiro para comprar uma bateria. Tinha dois garotos
ricos que arranjaram um kit de bateria na escola e tipo que arranjaram uma
banda. Eu me lembro de ficar flertando pelos fundos vendo-os ensaiar e pensava:
‘Eu tenho certeza de que posso tocar melhor do que eles.’ De vez me quando eles
me deixavam dar umas tocadas na bateria e eu não conseguia fazer nada direito.
Mas eu sabia que podia fazer melhor do que eles, eu sentia isso no meu íntimo.
Eu costumava fazer um kit de bateria usando livros e outras coisas na minha
mesa. Eu não tinha baquetas por isso eu usava dois pedaços de madeira e ficava
batendo na minha cama às 7 da manhã.”
Eventualmente Bruce conseguiu dar um jeito de participar
dos ensaios quando pegou ‘emprestado permanentemente’ um par de bongôs da sala
de música da escola. “Eu comecei a zoar com eles num canto sem perguntar se
podia. Eu fiz amizade com o cantor deles que era esse cara chamado Mike Jordan.
Nós costumávamos fazer jogos de guerra juntos. Ele tinha ganho todos esses
prêmios de canto – ele era um baixo – como um cantor de música clássica. Então
ele era o cantor nesse grupo e era uma coisa horrível, nada a ver com rock’n
roll. Eu me lembro de tentar aprender ‘Let It Be’ dos Beatles: ela tinha só
dois ou três acordes e estávamos todos tentando tirá-la. Eu estava lá no canto
tentando soar como John Bonham (Led Zeppelin) num par de bongôs, e soava terrível,
minhas mãos estavam vermelhas e estava dando uma dor de cabeça em todo mundo.
Parecia um cavalo andando sobre caixas. Mas o pobre Mike não conseguia atingir
as notas mais altas de jeito nenhum, e eu tentei encorajá-lo a seguir em frente
cantando junto com ele – só que eu conseguia atingir as notas agudas. Eu sempre
pensei que provavelmente eu poderia cantar, de fato eu sabia que podia cantar
porque todo mundo já tinha me ouvido gritando em ‘Jerusalém’ no coro da escola
e em diziam ‘Você tem realmente uma boa voz’. E eu respondia: ‘Besteira!’ Você
sabe, mas isso me fazia pensar.
“Então eu disse: ‘Me dêem uma oportunidade como cantor e
eu não toco mais os bongôs e dou uma mão pra vocês com as notas altas de ‘Let
It Be’. E foi o que fizemos e todo mundo disse : ‘Legal! De onde esta voz
apareceu?’ Infelizmente a banda acabou uns cinco minutos depois. Mas havia
aquele outro garoto, que também era muito nervosinho, que estava numas de
curtir B.B. King e gostar de Blues. Ele estava aprendendo tudo num violão e eu
costumava sair com ele – Nick Bertram era o seu nome – e ele tirava aquele
songbook do B.B. King e tocávamos todos aqueles clássicos do blues e coisas
assim. Ele tocava e eu cantava. E foi quando eu fui expulso por urinar no
jantar do diretor...”
Na realidade foi uma brincadeira mais inocente do que
parecia: o jantar estava sendo preparado para uma festa. Mas descobriram que
estavam sem óleo de cozinha e pediram o óleo dos estudantes do quarto de Bruce.
Bruce e outro garoto resolveram fazer uma “pequena” brincadeira e ‘batizaram’ o
óleo com uma pequena quantidade de urina. Ele e o outro responsável tomaram
algumas cervejas e caíram na gargalhada. Tiveram o azar de contar a brincadeira
para outro colega e no dia seguinte toda a escola estava sabendo.
“A pior coisa de ser expulso foi esperar pelo meu pai vir com o carro me pegar. Mas meus pais não me falaram nada sobre o assunto, do mesmo jeito que fizeram quando eu furtei o carrinho de brinquedo. Eles me pegaram, não falaram nada sobre isso, nunca mencionaram a respeito. Eu tinha pensado ‘Inferno, sabe, eles não vão dizer nada?’ Mas eu saí da escola e os seis meses seguintes foram muito, muito proveitosos.”
“A pior coisa de ser expulso foi esperar pelo meu pai vir com o carro me pegar. Mas meus pais não me falaram nada sobre o assunto, do mesmo jeito que fizeram quando eu furtei o carrinho de brinquedo. Eles me pegaram, não falaram nada sobre isso, nunca mencionaram a respeito. Eu tinha pensado ‘Inferno, sabe, eles não vão dizer nada?’ Mas eu saí da escola e os seis meses seguintes foram muito, muito proveitosos.”
Voltando para casa em Sheffield, ele foi estudar numa
escola bem mais liberal e de vanguarda (para a época). “Eu adorei! Ela era
brilhante! Todo mundo era, tipo, normal, e havia garotas lá – o que me deixou
maluco na hora. Fiquei numas de ‘Que coisa, eu espero que elas conversem
comigo!’ Então, na minha primeira ou segunda semana lá, eu ouvi aqueles dois
garotos conversando e diziam; ‘O que vamos fazer sobre o ensaio de hoje á noite
então? O cantor pulou fora, o que vamos fazer?’ E eu fiquei pensando ‘Cristo!
Devo dizer que eu sou um cantor?’ Então eu me virei e disse: ‘Eu posso cantar
para vocês, se quiserem.’ E eles responderam: ‘Oh, grande, esperamos você lá
então.’ Então eu fui lá e descobri que o baterista deles era um garoto que
conhecia de minha velha escola. O ensaio foi na garagem do seu pai – bateria,
baixo, duas guitarras – muito estilo Wishbone Ash, porque eles tinham aprendido
todo o disco Argus (o mais famoso LP do grupo, muito popular no início dos anos
70) nota por nota. Assim que eu fui aprendendo as canções eles ficavam numas de
me dizer “Fucking hell, você realmente sabe cantar! Uau, nós temos um cantor!’
Então eu comecei a pensar: ‘Eu tenho que comprar um microfone...’
Mas Bruce não se sentia nada confortável nessa posição.
“Eu me sentia como uma velho tarado indo comprar uma revista pornô, porque isso
era muito esquisito. Se alguém me perguntava ‘Você é um cantor então?’ eu
respondia ‘Não, não, eu não sou não, definitivamente não!’ E saía correndo da
loja. Eu estava com muito medo de parecer um idiota, eu não queria fazer aquilo
a não ser que conseguisse atingir cada nota como Ian Gillan. Eu não queria me
ver como um cantor se não conseguisse atingir este ponto e eu não sabia se
conseguiria.’
“O primeiro lugar que nós fizemos uma apresentação foi
numa taverna chamada Broad Fall, em Sheffield, onde se fazem este tipo de
shows. A banda se chamava Paradox e eu disse: ‘Este é um nome idiota. Por que
não um nome grande e místico como Styx?’ E eles responderam: ‘Este é um bom
nome.’ Então nos chamávamos de Styx. Nós não sabíamos que já havia esta grande
banda americana com este nome. Nós éramos uns sonhadores ignorantes. Mas a
banda acabou pouco depois disso e ficou por aí – exceto eu agora tinha um
microfone e um amplificador. Eu pensei: ‘Bem, eu sempre posso usá-los de novo
em algum outro lugar.’
Bruce deixou a escola com três notas máximas – Inglês,
História e Economia – e no princípio considerou seguir os passos de seu pai
indo para o exército. Ele já tinha se alistado no Exército Territorial (uma
espécie de curso para entrar em armas) e seu pai aprovava a idéia de seu filho
ter uma carreira desse tipo.
Bruce: ‘Eu não sabia o que ia fazer. Mas eu fui para casa
e pensei: ‘Foda-se, eu vou fazer o TA por seis meses.’ Eu até que gostei, mas
eu logo percebi que minha fantasia de que ia ser como um Rambo indo atirar para
todo lado era uma merda. Havia tantos idiotas, senão mais, no exército quanto
em qualquer lugar. Não necessariamente os caras com quem eu estava, porque eles
eram um bando de colegas legais. Nós íamos até a mata, fazíamos um monte de
buracos, enchíamos a cara e voltávamos e ficávamos bêbados como gambás. Eu
nunca tive visto homens ficarem tão bêbados e fazerem coisas tão deploráveis, e
eu certamente nunca tinha visto tantas ‘mulheres fáceis’. Eu quero dizer, eu
não fazia nada com elas, eu não tinha a menor idéia do que fazer. Eu me lembro
desta mulher tentando me levar para cima e tudo que eu fiz naquela noite foi
jogar dardos. Eu não tinha a menor idéia de como lidar com aquilo. Mas, no fim
das contas, eu concluí que isso não era uma escolha de carreira, era um pouco
de fantasia, realmente. Foi uma boa maneira de dar uma escapada por uns tempos,
porque eu não sabia o que mais iria fazer. Tipo, ser um cantor de rock’n roll?
Se isso não é uma fantasia, então o que é?”
Ao invés disso ele resolveu se inscrever para conseguir
uma vaga na universidade para estudar História, mais exatamente no Queen Mary
College, no East End de Londres. “Foi a primeira vez que fui para Londres”
conta Bruce “Meus pais me perguntaram: ‘O que você vai fazer quando for para
lá?’ Eu lhes disse que ainda iria para o exército, mas que queria ter o meu
diploma antes. Era o que eles queriam ouvir e isso foi a estória que contei
para disfarçar. Assim que eu cheguei lá eu imediatamente comecei a procurar e
ir tocar em bandas. Eu encontrei esse cara que se chamava Noddy White, que se
parecia demais com o Noddy Holder do Slade. Ele era do Southend (região sul de
Londres) e era um pouco guitarrista, um pouco baixista, um pouco tecladista, um
pouco compositor, um pouco de tudo, sabe? E ele tinha um monte de equipamentos,
caixas de som, tudo. E eu fiquei numas de ‘Foda-se, cara, vamos formar uma
banda!’
A banda era chamada de Speed: “A banda não tinha nada a
ver com tomar speed (gíria para anfetaminas), nós éramos uma banda
completamente limpa, é que nós tocávamos tudo ridiculamente rápido!” E eles
ensaiavam todas as vezes que Bruce conseguia convencer o dono do equipamento a
montá-lo. “Eu pedi ao Noddy para me dar algumas aulas de violão e comecei a
escrever canções na hora. Ele me ensinava três acordes e eu escrevia a partir só
destes três acordes. Naquela época o Punk estava estourando e no East End você
estava bem no meio do movimento. Eu me envolvi com o Entertainment Comittee
(uma espécie de grêmio estudantil) da faculdade e um dia você seria roadie para
o The Jam, no outro estaria colocando o cenário de Stonehenge para um show do
Hawkwind, ou qualquer coisa assim. Eu me lembro de ver Ian Dury and the
Blockheads tocando lá. Os Sex Pistols fizeram um show meio secreto na escola.
Aí a gente começou a fazer algumas apresentações. Nós costumávamos pegar o
micro ônibus da escola, dizendo que estávamos pegando emprestado para um curso
fora, tirávamos todos os assentos, amontoávamos todo o equipamento e íamos para
o pub Green Man, em Plumstead. Nós arranjamos até que uma boa base de fãs no
final, e eu tive minha primeira experiência do que era ir lá e cantar em frente
a um público: era uma dessas bandas de escola que não duram muito, mas foi
legal enquanto durou.”
Mas não foi bom o bastante. Bruce queria expandir seu
repertório e logo viu um anúncio na Melody Maker que chamou sua atenção
imediatamente: - “Procura-se cantor para completar um projeto de gravação”.
Bruce, que nunca havia estado num estúdio antes, respondeu ao anúncio. Eles
pediram que ele mandasse uma fita com uma demonstração de sua voz. Bruce diz
que “Uivei, gritei, lati e apenas fiz barulhos.” Na fita que mandou. E ainda
mandou uma nota onde já deixaria a marca de seu humor: “Falando nisso, se vocês
acharem que o cantor é uma merda, há algumas comédias de John Cleese (do Monty
Pythom) no outro lado da fita que vocês podem achar engraçadas.” A fita foi
retornada e o cara disse: ‘Nós achamos sua voz realmente interessante. Venha ao
estúdio.’
“Assim eu fui lá e gravei esta canção chamada ‘Dracula’.
A faixa era desta banda obscura chamada Shots, que era formada basicamente por
este cara Phil Shots e seu irmão, Doug. Só Deus sabe o que aconteceu com esta
gravação, mas Doug ficou louco, porque nós dobramos as vozes, fazendo uma coisa
como uma harmonia de quatro partes. E ele ficou me perguntando ‘Você tem mesmo
certeza que nunca fez isso na sua vida?’ Nós então começamos a conversar e ele
me perguntou que tipo de música eu gostava e é claro eu mencionei Ian Gillan,
Ian Anderson (Jethro Tull), Arthur Brown... e Doug fala: ‘É isso aí! O Arthur
Brown, cara! Algumas vezes sua voz é igualzinha ao do Arthur! Nós temos que
formar uma banda!’ E eu pensei: ‘Caralho, sabe, esse cara tem um estúdio e quer
formar uma banda comigo.’ Eu respondi; ‘Yeah!’”
Bruce começou a cantar com o Shots em “principalmente
bares, mas ninguém estava interessado.” Até que numa noite, puto com aquilo,
ele meio que brincando começou a xingar a platéia por não estar prestando a
devida atenção. A resposta foi tão boa que ele começou a fazer isso toda noite
até que virou parte do seu ato.
Bruce conta como começou: “Nós estávamos tocando em
clubes para cinco pessoas e você está tentando fazer o seu trabalho e ninguém
estava prestando atenção. Então entrei nessa de parar uma canção na metade e
começar a provocar estes caras na platéia. Eu começava: ‘Ei, você! É, você!
Você, seu gordão! Todo mundo olha para ele. Todo mundo está olhando para ele?
Ok, qual é o seu nome? Você tem um nome?’ Apenas para provocar as pessoas e
todo mundo de repente presta atenção, porque correm o risco de serem os
próximos! Aí antes que o cara tenha chance de responder, nós começávamos a
próxima música –só que agora todo mundo estava ouvindo. A primeira vez que fiz
isso o dono do lugar veio e disse ‘Foi um grande show, caras! Vejo vocês na próxima
semana!’ Então começamos a desenvolver isso nas apresentações. E foi a partir
daí que passei a ser não apenas um cantor, mas um frontman também. Eu descobri
que um monte de gente pode cantar mas peça a eles que subam no palco e segurem
a platéia e eles não conseguirão. Eles não saberiam como. Então isso era um
fato muito importante que descobri sobre este trabalho.”
Mas a verdadeira chance de Bruce aconteceu na noite que
membros do grupo Samson apareceu de surpresa num show que o Shots dava em
Maidstone, em 1978. Liderado pelo guitarrista nascido em Sidcup, Paul Samson,
eles já tinham lançado um LP, Survivors, através do selo independente Lazer,
atraindo uma boa parcela de interesse na imprensa, fazendo-os que se
destacassem junto com certas bandas como Iron Maiden, Saxon e Angel Witch num
novo movimento que estava sendo chamado de NWOBHM. Mas seu maior destaque,
curiosamente, era o fato de seu baterista Thunderstick (nome verdadeiro: Barry
Purkins), usar uma máscara sadomasoquista no palco. (Ele era também um fã
ardoroso do Kiss. Nos primeiros tempos do Maiden. Purkins chegou mesmo a tocar
com grupo, mas fez só um show com a banda).
Bruce Dickinson: “Eles viram o nosso show e nós tivemos
um bate-papo depois e me perguntaram: ‘Qual é a sua?’ eu disse: ‘Bem, eu gosto
muito do Purple, Sabbath e Jethro Tull, mas eu gosto de fazer coisas com uma
ponta de esquisitices.’ Porque naquelas alturas o Shots tinha virado quase que
um ato de comédia Heavy Metal. A interpretação tinha ficado mais importante que
a música. Mas o Thundestick estava numas de curtir o Heavy Metal Kidz (uma
banda meio de paródia da época) e me disse: ‘Foi como ver um jovem Gary Holton
(vocal do Kidz), gozando as pessoas e se divertindo, foi ótimo!’ E eu disse:
‘Tudo bem, eu posso faze-lo, mas eu acho que havia mais coisa (no show) do que
isso.’ Mas Paul Samson me deu seu número de telefone e disse: Ouça, nós temos
um disco que saiu agora, temos um contrato de gravação mas precisamos de um
novo cantor e queríamos que você entrasse para o grupo.’ Faltavam umas duas
semanas para as minhas provas finais na faculdade e eu então disse: ‘Sim, eu
adoraria estar na sua banda, mas podiam me dar duas semanas? Eu tenho algumas
provas para fazer e aí eu sou todo seu.’”
Conseguir se formar não parecia ser uma coisa importante
– até Bruce perceber que poderia nem sequer chegar a fazer os exames se não
deixasse suas atividades extra-curriculares de lado pelo menos durante um
tempo. “Eu fiquei enrolando na faculdade durante dois anos” admite ele “fazendo
apenas o mínimo necessário, enchendo a cara, indo pra cama e geralmente me
divertindo muito. E então eles quiseram me expulsar por não pagamento de
aluguel, porque eu gastei todo o meu dinheiro para pagar a faculdade comprando
equipamento para a banda. Eu costumava me esconder quando os inspetores de
aluguel apareciam. E também havia tomado bomba nos meus exames do segundo ano.
Então eles tinham um caso muito fácil, realmente. Mas eu era encarregado da
seção de entretenimento da Students Union ( uma espécie de UNE de lá )e
naqueles dias isso tinha um certo peso. Então eles deixaram passar, mas eu tive
que fazer seis longos trabalhos no espaço de duas semanas, que as pessoas
normalmente levam seis meses para fazer, consegui boas notas em todos eles e
eles acabaram me deixaram ficar. E nos seis meses finais para a minha formatura
eu pensei: ‘Foda-se, eu já fui muito longe, seria uma vergonha não ir à
biblioteca, abrir um livro e descobrir o que afinal de contas do que é se trata
o curso de História.’”
Estudando como um doido nas últimas semanas antes dos
exames finais, Bruce conseguiu tirar o suficiente para passar. “Era o que a
maioria das pessoas consegue, de qualquer forma.” conclui ele bem humorado. Ir
direto da sua última prova para seu primeiro ensaio com o Samson provou ser uma
experiência diferente demais até mesmo para o infatigável Bruce. “De fato, os
primeiros ensaios que tive com o Samson definiram claramente o padrão que teria
todo o meu tempo com a banda.” Ele estava para entrar o que ele pode hoje falar
bem humorado de “Meus dias de ‘vamos-experimentar-drogas’. Eu nunca tinha me
envolvido com drogas. Eu apenas costumava beber muito naqueles tempos. Mas
quando eu fui lá e o baixista estava cheirando carreiras de sulfato atrás dos
amplificadores, Paul estava fumando quilos de maconha e o baterista tinha
engolido um punhado de mandies ( um poderoso tranqüilizante que só podia ser
vendido sob estrita prescrição médica, mas que se tornara popular entre músicos
no final dos anos 70). E eu tinha estado no bar, é claro, logo depois de fazer
minhas provas, então você pode imaginar a zona que nesse meu primeiro ensaio.
Thunderstick caiu do seu banquinho porque ele estava completamente fora de si
com os mandies. Mas por sorte tinha uma parede atrás dele e então a gente o
encostou lá e ele conseguiu continuar tocando. Eu não tinha a menor idéia o que
estava acontecendo, sério. Eu só fui em frente com aquilo tudo. Thunderstick
era obviamente um grande fã do Kiss, eu podia perceber isso. E Paul estava
numas de curtir Leslie West e Mountain e ZZ Top, e eu era maluco por Deep
Purple, então éramos um grupo e tanto.”
Não sabendo exatamente seus limites ou objetivos, ele
decidiu que o melhor caminho a seguir seria “me atirar de cabeça naquilo e
fazer o melhor que podia. Quando em Roma, faça como os romanos, essas coisas.
Eu terminei com a minha namorada que estava comigo há três anos na
universidade. Eu disse a ela que iria me tornar um completo cretino. Eu pensava
que era isso que eu tinha que fazer, francamente, e assim eu poderia me
comunicar com os rapazes da banda. Porque não era nada do que eu esperava. Na
minha inocência eu achava que pessoas que tocavam em bandas de rock’n roll eram
grandes artistas, e foi um grande choque nas minhas convicções quando eu
descobri que não eram, que não queriam nem se tornar isso, realmente. Alguns
deles queriam, talvez. Mas outros – como o Samson – estavam com medo dessa
idéia, alguns deles só queriam beber uns tragos, dar uma boa trepada e tomar
umas drogas, e eu descobri que isso era muito, muito difícil de lidar. Eu
pensei: ‘Eu tenho que descobrir se eu vou trabalhar com esses caras e nós vamos
fazer música.’ E tão logo eu aceitei esta idéia eu pensei ‘Certo, eu devo então
saber o que toda essa tomação de drogas e trepadas são afinal de contas.’
Mas Bruce nunca entrou nas mais pesadas. O máximo que
chegava no material ilegal era maconha, seu maior vício pessoal. “Eu já fumava
um pouco naquele tempo” ele admite “Alguém já havia me ligado num pouco de
droga na escola, e eu pensei ‘Oh, isso é meio esquisito’ Eu gostava daquilo,
sabe? E no Samson isso era um tipo de hábito. Quer dizer, Paul costumava
acender um baseado todo dia, o dia todo. E descobri que se você está limpo você
não consegue realmente se comunicar com ninguém. Era impossível. Por isso eu
pensei ‘Oh, eu devo então fumar um baseado ou não vou conseguir ser capaz de
escrever nada’. E foi mais ou menos deste que jeito que a coisa foi. Eu mais ou
menos me resignei a isso. Tipo, eu vou me tornar uma pessoa que eu basicamente
não sou por dois ou três anos, sabe, porque eu queria ser um cantor, e pensava
que isso era parte do preço que você tinha que pagar. Para ser honesto, cada
pequena coisa que eu fazia era outro passo para atingir meu objetivo, que era
ser um cantor numa banda de rock’n roll. Eu acho que você tem que ter esse
nível de crença, ou pelo menos eu tenho.”
Bruce teve que engolir muitos sapos para poder ter a sua
oportunidade de sucesso. Teve até que aceitar um nome boboca, ficando conhecido
durante seus tempos no Samson como “Bruce Bruce”, algo tirado de uma cretina
piada da trupe do Monty Pythom. “O pessoal da editora vivia me mandando cheques
de brincadeira, só para me gozar.” Diz Bruce, que cansou de explicar a estória
“e uma de suas piadinhas era de me mandar um cheque nominal para Bruce Bruce,
como num daqueles sketchs do Monty Pythom. E ele pegou. Quer dizer, eu não
fiquei muito contente com isso mas pensei ‘Oh, bem, ok, é um tipo de nome de
guerra, não é?’ No Samson Bruce pode expandir bem sua capacidade como compositor,
escrevendo com Paul a maioria do material gravado pelo conjunto. Ele deixaria
dois álbuns: Head On, lançado em 1980, através do pequeno selo Gem, e Shock
Tactics, lançado pela RCA, depois que o Gem faliu em 1981. Em nenhum dos dois
discos o vocal de Bruce está na mesma categoria que mostraria nos seus
trabalhos com o Iron Maiden. Mas não eram maus discos, principalmente para a
época: um bom hard rock do início dos anos 80, fortemente influenciados pelas
bandas dos anos 70. Tampouco atingiram grandes posições nas paradas. A falta de
uma grande gravadora para promovê-los em escala maior parece ter sido o
principal fato de não ficarem mais conhecidos na época. Aparentemente o Samson
tinha o talento, mas não a sorte.
Bruce: “Eu acho que Head On poderia ter sido um bom
disco. Eu só pediria a Deus para termos tido um produtor decente, porque tinha
umas grandes canções nele. E francamente, é meio engraçado, eu falei isso com o
Rod Smallwood um tempo depois e ele meio que admitiu que a única banda que ele
achava que podia rivalizar com o Maiden era o Samson. Ele é bastante honesto
para admitir que deliberadamente se encarregou de fazer o Maiden bater o Samson
de qualquer jeito. Não especificamente por isso mas porque antes de eu me
juntar à banda, o Samson tinha sabotado o Maiden numa passagem de som ou coisa
parecida. E Rod nunca os perdoou por isso. Eu acredito nesta estória porque com
certeza havia mesmo algumas batalhas de ego rolando naqueles tempos.”
O Samson havia sido jogado no lote da NWOBHM e não
demorou muito para que eles estivessem dividindo os mesmos palcos com outros
colegas da NWOBHM como o Praying Mantis, Angel Witch e, claro, o Iron Maiden.
“Havia aquela coisa chamada de ‘A Cruzada Pelo Heavy Metal’ , a qual o Iron
Maiden era uma parte dela, e era basicamente uma espécie de um circo viajante
de bandas que tocaram no Music Machine, em Camden, toda semana.” Explica Bruce
“Os empresários do Samson sempre declararam que a idéia tinha sido deles, então
o Samson sempre estava no programa da NWOBHM em algum lugar. O Saxon estava lá
também, e o Angel Witch – todo mundo que fez parte daquela coletânea da EMI, a
Metal For Muthas. Então, sabe, aquela coisa existia, para o bem ou para o mal,
e foi realmente a minha primeira experiência dessa idéia de que havia um tipo
de... movimento. Até então eu desconhecia isso. Mas a primeira vez que eu vi o
Maiden, eu acho que foi no Music Machine, foi por volta de 1980. Nós éramos a
banda principal da noite, mas aí eles vieram trazendo toda aquela tribo do
Ruskin Arms e o lugar ficou lotado e as pessoas ficando loucas por eles. E eu
me lembro de estar assistindo eles no fundo do palco, sentindo esta vibração em
volta da banda, e pensei; ‘Isso é o Purple!’ Essa foi a primeira coisa que me
veio à cabeça, que isso era puro Deep Purple. Tinha o Dave Murray, que era
obviamente influenciado pelo Ritchie Blackmore, ele tinha a (guitarra) Strat, o
cabelo muito longo... e o baterista soava como Ian paice – Quer dizer, parecia
um clone dele! Eu não percebi o baixista naquela primeira vez mas eu olhei para
o cantor, Paul, e pensei: ‘Hummm, eu não entendo porque ele está lá...’
“Mas eu fiquei olhando, e eles eram bons, fodidos de bons. E naquele momento eu me lembro de ter pensado: ‘Eu quero cantar nessa banda. De fato, eu vou cantar nessa banda! Eu sei que vou cantar nessa banda.’ E não foi nem uma coisa de tentar forçar a entrar nela. Eu apenas pensei que era inevitável. Eu apenas pensava o que poderia fazer com a banda, porque eu sempre tinha sido um imenso fã do Purple, e eu vi o Iron Maiden como outro Deep Purple – não idêntico, musicalmente, mas talvez o mesmo arrepiar da espinha. Eu pensei: ‘Isso é que é realmente eu . Não o Samson.’ O Paul mesmo estava desprezando-os. Um pouco eu acho que era inveja, um pouco eu acho que era verdadeiro. Ele apenas não gostava do som deles, não conseguia se identificar com isso de jeito nenhum. Mas eu me lembro que tinha esta garota que era uma espécie de groupie - nós a chamávamos de Flannel Tits (seios de flanela) - e eu acho que ela estava flertando com os caras do Maiden também – e ela apareceu um dia com uma fita do Maiden de um show deles gravado direto na mesa de som. Ele pôs para tocar e eu falei: ‘Putamerda! Isso é louco!’ Eles faziam o Samson parecer uma piada em comparação. Nossa noção de dinâmica nunca foi muito boa, mas o Maiden tinha a deles muito, muito precisa.”
“Mas eu fiquei olhando, e eles eram bons, fodidos de bons. E naquele momento eu me lembro de ter pensado: ‘Eu quero cantar nessa banda. De fato, eu vou cantar nessa banda! Eu sei que vou cantar nessa banda.’ E não foi nem uma coisa de tentar forçar a entrar nela. Eu apenas pensei que era inevitável. Eu apenas pensava o que poderia fazer com a banda, porque eu sempre tinha sido um imenso fã do Purple, e eu vi o Iron Maiden como outro Deep Purple – não idêntico, musicalmente, mas talvez o mesmo arrepiar da espinha. Eu pensei: ‘Isso é que é realmente eu . Não o Samson.’ O Paul mesmo estava desprezando-os. Um pouco eu acho que era inveja, um pouco eu acho que era verdadeiro. Ele apenas não gostava do som deles, não conseguia se identificar com isso de jeito nenhum. Mas eu me lembro que tinha esta garota que era uma espécie de groupie - nós a chamávamos de Flannel Tits (seios de flanela) - e eu acho que ela estava flertando com os caras do Maiden também – e ela apareceu um dia com uma fita do Maiden de um show deles gravado direto na mesa de som. Ele pôs para tocar e eu falei: ‘Putamerda! Isso é louco!’ Eles faziam o Samson parecer uma piada em comparação. Nossa noção de dinâmica nunca foi muito boa, mas o Maiden tinha a deles muito, muito precisa.”
Bruce admite que era o que mais admirava na banda era o
seu direcionamento, sua firme decisão e objetividade que o atraiu mais do que a
música propriamente dita. Ele afirma que “não ouvia muitos seus discos, foi
vendo-os e ouvindo-os ao vivo que me impressionou. Quer dizer, é claro que eu
ouvia os discos, e algumas coisas lá eram muito legais. Como ‘Prodigal Son’ e
‘Remember Tomorrow’. Sobre o seu predecessor na banda, Bruce opina que “Ele
soava muito bem nos discos. Mas quando chegava o pega para capar –quando a
banda estava detonando no palco – ele tinha que ir ao máximo, dominar isso e eu
achava que era aí que a coisa tipo que não acontecia.”
A vez seguinte que encontraria com a banda só ocorreria
quase um ano depois e seria fruto de uma coincidência. O Samson estava gravando
seu disco Shock Tactics no estúdio adjacente ao que o Maiden estava então
produzindo Killers.
Bruce Dickinson: “Havia um bar no Morgan Studios onde nós
todos podíamos nos encontrar. Martin Birch estava produzindo o disco deles e
Martin era meu herói. Ele tinha produzido a maioria dos meus álbuns preferidos
e só de botar os olhos nele e eu pensava: ‘Oh meus Deus!” E é claro que o Clive
Burr estava por lá também, e era quem nós conhecíamos porque ele tinha tocado
no Samson antes de eu entrar. E Clive costumava ir visitar nossas gravações e
retribuímos indo lá vê-lo gravar também. De qualquer forma eu estava lá uma
noite e eles tinham acabado de terminar esta mixagem, e Clive disse: ‘Vem aqui
dentro e ouça’, aí ele ligou as caixas de som tão alto quanto podia e ficou em
pé no fundo da sala bebendo uma cerveja. Eu me lembro de ter ouvido esta coisa
– eu acho que era ‘Murders In The Rue Morgue’ – e ter ficado numas de ‘Uau,
isso soa fantástico!’ E era. Eu tinha ouvido o primeiro LP do Maiden e achava
que o som dele era uma merda (obs. ele, claro, se refere à produção do disco).
E aí quando eu ouvi o Killers eu pensava que isso meio que faria eles serem
realmente grandes. Claro que Killers foi o disco que eles receberam críticas
muito duras por aqui, mas foi aquele que o resto do mundo parou e deve ter
pensado ‘Espere um pouco, isso é bom...’”
Uma das ironias do destino é o fato de que o Samson
deveria ter sido o grupo de suporte do Maiden na parte européia da tour de
1981. Seria a primeira tour mundial e aquela que levaria à demissão de Paul
Di’Anno.
Bruce: “Nos programas da tour de Killers, chegaram mesmo
a imprimir um anúncio do Shock Tactics no verso. Mas nós fomos retirados na
última hora porque nossa gravadora não queria pagar pelas despesas da tour ou
qualquer coisa assim. Eu ainda não estou certo até hoje se esta foi a
verdadeira razão, mas qualquer que ela fosse, fomos retirados no último minuto
e então estava feito. Então o Samson, no tempo em que eu estava com eles,
jamais chegou a tocar fora do Reino Unido.”
Foi o princípio do fim da relação Samson e Bruce Bruce.
Sua gravadora, a Gem, quebrou. As gravações de Shock Tactics foram então
repassadas para a RCA que, segundo Bruce “Não estava dando a mínima sobre esta
banda desconhecida da Inglaterra. No que diz respeito a eles foi como se
dissessem: ‘vamos só lançar e quem se importa?’ Desiludidos com o que parecia a
maneira inepta com que dirigiam os negócios da banda, Samson despediu seus
empresários, o que acabou por deixá-los numa situação ainda pior. ‘Nós fizemos
isso tudo da maneira errada, provavelmente porque estávamos chapados o tempo
todo naquela época.” Diz Bruce. Com isso foram processados pelos seus agora
ex-empresários e foram perseguidos por ações na justiça que acabaram por fazer
com que seu equipamento fosse gradualmente confiscado enquanto estavam em plena
tour. Algumas vezes eles mesmo ficaram legalmente incapacitados até de receber
pagamentos! “Foi o fim da linha, bastante literalmente, mas nos recusamos a
aceitar isso.” Diz Bruce.
Mas nem tudo estava totalmente perdido. O grupo recebeu a
oferta de se apresentar no Reading Festival daquele ano como uma das atrações
principais. Era uma chance de ouro e Bruce diz que “Nós agarramos a
oportunidade com as duas mãos e esperamos pelo melhor. Foi a segunda vez que
fizemos o Reading, e tudo deu muito certo, conseguimos críticas positivas e
tudo mais. Existe até um disco ao vivo ( o ‘Live At Reading 81) daquele show e
acho que soamos muito bem. Mas já naquele ponto a energia estava muito
esquisita na banda. Paul (Samson) estava realmente numas de dar o fora e
mergulhar mais e mais no seu projeto solo, você sabe, essa coisa de ZZ Top, que
foi o que ele fez logo depois de eu sair. Ele tinha um novo empresário então
que estava tentando conseguir um novo contrato com a A&M – chegamos mesmo a
tirar fotos promocionais para a A&M. Mas naquela altura eu já tinha me
decidido a sair.”
Talvez o que tenha feito apressar sua decisão fosse a
presença de um certo empresário de outra banda muito grande que estava no
Reading Festival. Bruce resume o que ocorreu: “Paul (Di’Anno) ainda estava na
banda, mas acho que todos estavam cônscios de que havia um problema. E quando
eu deixei o palco no festival naquele dia, todo mundo sabia que havia alguma
coisa no ar. O mais engraçado é que havia aqueles rumores de que eu ia me
juntar ao Rainbow. Eu recebi um telefonema esquisito no meio da noite de um
roadie de Ritchie (Blackmore) ou alguém assim me perguntando: ‘Você está
disponível?’ e eu respondi: ‘Claro que eu estou disponível, Ritchie é o meu
guitarrista favorito!’ Mas não ouvi mais falar disto. A primeira coisa que eu
ouvi do Maiden foi a de que Rod e Steve estavam rondando o backstage durante o
Reading. Eu descobri que eles voaram do sul da França especialmente para ver o
Samson. É claro que eu não sabia de nada do que estava ocorrendo nos
bastidores, que o Rod ainda estava vacilando. Aparentemente o Steve dizia: ‘O
cara tem uma grande voz’ ou algo assim e Rod respondia: ‘Eu não me importo com
que tipo de voz ele tenha, ele está no Samson e eles nos foderam!’ Mas aí o Rod
veio e teve uma conversa comigo. “Agora, no Reading tinha aquele quadrangular
de tendas vendendo cerveja e outras coisas, sabe, e bem no meio disso tem um
grande poste com armações e holofotes em cima. Nós éramos as únicas duas
pessoas em pé nesse quadrângulo , debaixo dos holofotes, com todo mundo que
estava no Reading festival olhando para nós, e eu estava olhando para o Rod e
ele: ‘Você quer mesmo fazer isso aqui?’ Mas Rod estava meio desligado, você
sabe. Não foi bem uma proposta. Nada como ‘Queremos que você seja o cantor’,
foi mais como ‘Nós queremos lhe oferecer a chance de um teste’. E eu respondi:
‘Oh, tudo bem.’ Eu me lembro de estar muito auto confiante naquele dia, então e
dizia: ‘Mas quando eu o fizer, eu vou ficar com o emprego. Então vamos falar
com o que vai acontecer quando eu estiver no emprego.’ E Rod respondeu: ‘Oh,
oh... melhor você voltar para o hotel com a gente.’”
Steve Harris: “Eu nunca fui muito fã do Samson, mas eu sempre pensei que o cantor deles era bom. E porque estávamos tendo problemas com o Paul mais ou menos desde o princípio, eu suponho que eu sempre mantive um olho aberto para cantores. Eu apenas tinha uma vaga impressão de que Paul nos deixaria na mão um dia e então teríamos que arranjar outra pessoa. Então eu vi o Samson umas duas vezes e pensei: ‘Yeah, o cara tem uma voz muito boa e ele sabe como segurar o público.’ Eu achei que ele soava um pouco como Ian Gillan, realmente. Então quando a merda realmente atingiu o ventilador no caso do Paul, ele foi uma das primeiras pessoas em quem pensei. Rod não gostou muito da idéia, ele nunca perdoou o Samson por ter-nos atrapalhado na época. Mas eu não me importava, eu só pensava que o cara tinha uma grande voz. Então eu disse: ‘Foda-se com isso, eu o quero!’ Assim nós demos um jeito de ir ao Reading para dar uma olhada e ver se ele estava interessado.”
Steve Harris: “Eu nunca fui muito fã do Samson, mas eu sempre pensei que o cantor deles era bom. E porque estávamos tendo problemas com o Paul mais ou menos desde o princípio, eu suponho que eu sempre mantive um olho aberto para cantores. Eu apenas tinha uma vaga impressão de que Paul nos deixaria na mão um dia e então teríamos que arranjar outra pessoa. Então eu vi o Samson umas duas vezes e pensei: ‘Yeah, o cara tem uma voz muito boa e ele sabe como segurar o público.’ Eu achei que ele soava um pouco como Ian Gillan, realmente. Então quando a merda realmente atingiu o ventilador no caso do Paul, ele foi uma das primeiras pessoas em quem pensei. Rod não gostou muito da idéia, ele nunca perdoou o Samson por ter-nos atrapalhado na época. Mas eu não me importava, eu só pensava que o cara tinha uma grande voz. Então eu disse: ‘Foda-se com isso, eu o quero!’ Assim nós demos um jeito de ir ao Reading para dar uma olhada e ver se ele estava interessado.”
Bruce foi fazer sua audição para a banda em Hackney, no
dia seguinte. Ele conta suas impressões: “Assim que eu entrei eu sabia que era
uma coisa completamente diferente de tudo que conhecia até então. Eles tinham
roadies de verdade, um sistema profissional de monitores, tinham carros para
transporte, eles tinham tudo. Eu pensei ‘Certo, não vai ter gente puxando fumo
no fundo do ônibus então.’ Só que depois descobri que tinha bastante. Mas,
quero dizer, não era do mesmo tipo de clima que tinha no Samson ou qualquer
outra banda que eu tenha estado. Eu fiquei numas de ‘Ok, bem, esses agora são
os caras grandes com quem você está tocando, então você tem que aprender a
jogar pelas regras dos caras grandes .’ E isso estava bom para mim. Eu já tinha
me encontrado com o Steve umas duas vezes. E tinha conversado um pouco com ele
mas nada que tenha feito muito impacto comigo. Eu não pensava que ele era o
messias que muitos faziam idéia dele, nem o ogro que outros diziam que ele era.
Eu o via como um cara que tinha uma boa personalidade. Ele era muito amigável,
sabe? Mas aquela coisa toda que envolvia o Iron Maiden, aquele clima intenso,
quase de auto importância, eu o achava intimidador, tenho que admitir. Eu
pensei: ‘Isso é realmente necessário?’ Mas eu acho que sim, porque você cria
aquele clima em volta de você o que é realmente importante. Ele atrai as
pessoas como um ímã para você. Fãs e patrocinadores do showbiz. Você consegue
respeito porque você o exige. E era isso que eles tinham.
“Então eu comecei a cantar e nós tocamos ‘Prowler’,
‘Sanctuary’, ‘Running Free’ e ‘Remember Tomorrow ‘. Aí passamos para ‘Murders
In the Rue Morgue’ e outras mais, mas eu acho que nós já sabíamos desde aí.
Todo mundo sacou imediatamente, sério. E aí já queriam me por num estúdio logo
depois, para saber como eu soaria num estúdio, e Steve telefonou para o Rod e
disse: ‘Quando teremos que ir para a Escandinávia? Podemos ter um tempo no
estúdio esta tarde?’ Então virou para mim e disse ‘O que você acha disso?’ Eu
respondi ‘Fuck it, vamos lá colega, o que você quiser, vamos agora se você
quiser.’ Então fomos ao estúdio e eu entrei e cantei em quatro faixas e aí teve
uma espécie de conferência (entre eles) e eu pude ver o Rod num canto falando;
‘Vocês tem certeza?’ Vocês tem certeza?’ e todos os outros estavam basicamente
dizendo: ‘Oh, cale a boca’, você sabe, e isso foi tudo. Saímos todos e ficamos
estupidamente bêbados e eu estava no Iron Maiden!”
Os boatos sobre a saída iminente de Paul voavam na
imprensa, principalmente na revista Sounds, que era a mais importante na área
hard/heavy daquele tempo. O grupo muito sabiamente resolveu então não dar tempo
para que os fãs ficassem debatendo demais sobre essa catástrofe. Nem deram
muitas explicações tampouco.
Steve Harris: “Nós sempre dizemos que foram ‘diferenças
musicais’ sempre que alguém sai. Mas é mais para a proteção deles do que nossa.
Já é o bastante que eles não estejam mais na banda, não precisa ficar
insistindo nesse assunto, sabe?”
Assim sendo trataram de apresentar o novo vocalista logo,
anunciando uma apresentação no Rainbow, no dia 15 de novembro daquele ano.
Claro que resolveram antes testar a reação da platéia em terras estrangeiras,
fazendo cinco shows na Itália (mais exatamente Bolonha, Roma, Florença, Udine e
Milão). Como sabemos, os shows foram um grande sucesso, casa lotada e fãs
enlouquecendo, como sempre. Ninguém parecia ter notado qualquer mudança e o
próprio Bruce se surpreendeu com a facilidade com que se sentiu à vontade com
sua nova banda. “Eu me senti em casa desde o princípio. A coisa toda me pareceu
uma família em que eu de repente tinha me tornado parte.” O resto da banda
também ficou muito contente em ver que, se Paul era uma incógnita sobre de como
seria sua performance, Bruce sempre daria o melhor de si noite após noite, sem
exceção.
Adrian Smith sobre a primeira apresentação de Bruce: ‘Se
ele estava nervoso, ele não demonstrou. Ele simplesmente entrou no palco e
cantou como se estivesse na banda desde o começo.”
Mas encarar o primeiro show na Inglaterra não seria
tarefa tão fácil assim, como o próprio Bruce admite: “Eu não estava preocupado
em fazer bem o meu trabalho, eu senti que já tinha provado bem isso na Itália.
Era mais a questão de saber se os fãs realmente iriam me aceitar. Não era minha
culpa que Paul não estivesse mais na banda, mas era inevitável que qualquer
ressentimento que pudesse haver no platéia ele quase que certamente seria
dirigido para mim.”
Apesar de alguns estraga-prazeres terem gritado o nome de
Paul aqui e ali no show, a estréia de Bruce foi um sucesso sem precedentes. Sua
performance atlética, correndo de um lado para o outro do placo, subindo nos
stands das luzes e nunca parando de se mexer, era muito diferente da de Paul
(que sempre ficou mais parado quando não estava cantando). Steve, que até então
era o que mais agitava ao vivo, tinha encontrado um competidor à altura. E não
ficou triste com isso. Sempre sonhara com um frontman que fosse mais do que um
cantor. A banda saiu do Rainbow com a certeza de que seu futuro estava
garantido.
Dave Murray: “Ele realmente sabia como segurar a platéia.
E ele dava tudo nisso de um jeito que Paul nunca conseguiu. Paul era grande
quando estava cantando, mas ficava um pouco perdido no palco, talvez , o resto
do tempo. Bruce não parava de se mover por todo lado e dar tudo de si, cantando
ou não.”
Malcom Dome, que trabalhou com o Maiden muitos anos,
coloca o seu ponto de vista: “A maioria das pessoas achava que Paul Di’Anno era
um grande frontman e quando ele foi despedido, eles acharam que a banda estava
agora num buraco. Então Bruce apareceu e tudo mudou. Ele era a perfeita peça
que faltava no quebra-cabeças para torná-los uma gigantesca banda
internacional. Se Paul tivesse ficado e Bruce não aparecesse, eu acho que eles
teriam lutado muito mais para conseguir ir além de meados dos anos 80. Eles precisavam
de algo mais e Bruce era esse algo mais. Mas você tem que dar crédito ao Steve
e ao Rod por terem percebido isso, e terem feito a escolha certa na hora certa.
Teria sido fácil foder com tudo, como a maioria das bandas da NWOBHM fez de um
jeito ou de outro. Mas não o Maiden. Eles ficaram firmes até conseguir fazer a
coisa direito, e a partir daí nada podia para-los.”
Bruce Dickinson: “Eu não tinha nada planejado sobre o que
eu iria fazer uma vez que estivesse no palco com eles. Eu apenas deixei as coisas
acontecerem bem espontaneamente. A única coisa de que tinha certeza era a de
que eu não ia ser um clone do Paul Di’Anno – não nos vocais, não visualmente ou
de qualquer outro modo. A primeira vez que falei com Rod a respeito do
trabalho, em Reading, eu disse: ‘Olha, eu não sei qual é a sua perspectiva do
que eu deva fazer, mas eu tenho umas idéias bem claras sobre o que eu não devo
fazer, e o que eu não devo fazer são as coisas que o cara antes de mim estava
fazendo.’ eu disse: ‘Se você quiser que eu faça isso então é melhor arranjar
outra pessoa agora, porque não vai nem valer a pena falar sobre isso.’ Aquelas
coisas do tipo cockney que Paul fazia apenas não eram a minha. Eu nem achava
que elas eram particularmente interessantes. Legal quando eles tocavam na
Inglaterra, talvez, que era o lugar onde as pessoas podiam entender o que era
tudo isso. Mas uma perda de tempo no resto do mundo. Eu só pensava que a banda
era maior do que isso.”
Adrian Smith: “Bruce era um daqueles poucos caras que
realmente poderiam fazer o trabalho, sério. Ele tinha o alcance vocal e a
experiência – tanto quanto a gente saiba ele era um talento garantido que
definitivamente podia dar conta do serviço. Mas nós não podíamos saber com
certeza até que fizemos aquelas primeiras apresentações com ele na Itália e no
Rainbow, que foram feitas para todos nós nos entrosarmos antes de irmos para o
estúdio. Essa foi a prova final para vermos que tínhamos feito a escolha certa.
Vocalmente ele se encaixou com perfeição. Mas em termos de personalidade ele
era completamente diferente de Paul. Ele não era tanto como um companheiro de
bairro, era mais cosmopolita, se você entende o que eu quero dizer. Meio que,
em qualquer país que estivéssemos tocando, Bruce sempre tentava falar com a
platéia em sua própria língua, mesmo que fosse só um pouquinho, só para saberem
que ele estava tentando se esforçar, e o povo adorava isso. Isso fez uma
diferença para o ‘Awright! ‘ow are ya!’ que era quase sempre a maneira de Paul
se apresentar. Depois disso, ir fazer um disco não era uma coisa que nos
preocupava muito. De fato, isso nos fez ficar mais ansiosos para ir lá e
mostrar o que podíamos fazer agora.”
Martin Birch, o produtor: “Apesar dele ser excelente nos
discos que gravou com eles e que era ideal para a época, eu sempre pude ver que
o Maiden estava indo para além daquilo que Paul estava capacitado para fazer. A
partir deste ponto de vista, eu simplesmente não conseguia vê-lo tendo
capacidade de cantar os vocais de algumas partes bastante complicadas das direções
que Steve estava querendo explorar. A voz de Bruce era uma que eu podia
trabalhar com muito mais facilidade. Ele tinha um alcance muito maior e podia
levar os tons até um ponto que Paul não poderia de jeito nenhum. Então quando o
Bruce entrou isso abriu as possibilidades para o novo disco de forma tremenda.
Paul apenas não poderia fazer as coisas do jeito que Bruce fez e foi por esta
razão que ‘The Number Of The Beast’ se tornou um marco histórico para o Iron
Maiden, tanto quanto eu possa afirmar. Foi o disco que percebi que eles seriam
tudo aquilo que eu esperava que fossem.”
E isso
era só o começo...