BIOGRAFIA Bruce Dickinson

Biografia – Bruce Dickinson
Despedir Paul Di’Anno do Maiden foi um gesto de desespero para a banda. Só aconteceu quando a situação se tornou insustentável. Afinal, Paul era um grande vocalista e tinha deixado sua marca na história do grupo. No entanto, essa atitude – que muitos pensaram impensada e fatal – acabaria beneficiando a carreira do Iron de uma forma quase inacreditável. Seu substituto, Bruce Dickinson, era mais do que um entre outros grandes cantores. Talvez fosse o único capaz de cantar com total eficácia o novo material que Steve Harris estava escrevendo.
De qualquer forma, ele foi perfeito para a banda e a banda foi perfeita para ele. E o novo vocal possuía a personalidade ideal para tal cargo. Ao contrário de Di’Anno, e bem ao gosto de Harris, Bruce sonhava com os maiores palcos do mundo, não temia o sucesso avassalador do Iron e estava pronto para encarar tudo com muito profissionalismo. O resultado foi uma série de álbuns eternos, brilhantes e shows que ficariam na história do Metal de todos os tempos.
Bruce nunca foi uma pessoa limitada, em todos os aspectos de sua vida: não satisfeito de ser um dos maiores vocalistas de rock do mundo, voltou sua aparentemente inesgotável capacidade criativa para diversas atividades que cumpriu com muito gosto: autor de dois livros de ficção, exímio esgrimista, piloto amador, além de se arriscar na direção de vídeos e ser apresentador de rádio e televisão. Mesmo hoje em dia, aos 43 anos, casado pela segunda vez – com Paddy – e pai de três filhos – Bruce continua o artista irrequieto e criativo que sempre foi. Quem viu sua performance no Rock In Rio 3 deve ter tido uma pequena amostra da notável energia deste que é, sem dúvida, um símbolo do Maiden tão forte quanto seu criador. A maior prova disso vem das palavras do próprio Steve Harris, que afirmou em 1998, em pleno período que andava às turras com o cantor: “Para ser honesto com você eu tenho que dizer que era mais o tipo de voz do Bruce que eu realmente imaginei cantando as minhas músicas do Maiden, desde os primeiros tempos. Apenas ocorreu de Paul chegar primeiro.”
Mas o início de sua vida, como quase tudo relacionado ao Maiden, não foi exatamente o mais fácil do mundo. Muito pelo contrário, suas dificuldades o levariam a querer superar os diversos obstáculos e traumas de sua vida para crescer e se tornar o ídolo que sonhava.
Paul Bruce Dickinson nasceu no dia 7 de agosto de 1958, em Worksop, uma pequena cidade mineira do condado de Nottinghamshire. Apesar de seu primeiro nome ser Paul, ele sempre preferiu ser chamado de Bruce, mesmo quando criança. Os pais de Bruce ainda eram adolescentes quando se casaram. Foi um daqueles famosos casamentos apressados devido à gravidez da moça, um pequeno escândalo ainda mais se considerarmos que estávamos na conservadora sociedade britânica dos anos 50. O casal mal tinha saído da escola e, obviamente, não tinham dinheiro. Por isso foram viver com os avós de Bruce , que acabaram assumindo muito da criação do menino.
“Eu fui meio que um acidente de percurso.” diz Bruce sobre sua vinda ao mundo “Minha mãe tinha 16 ou 17 anos quando engravidou, e meu pai tinha 17 ou 18. Eles então se casaram e eu nasci uns 4 ou 5 meses depois. Minha mãe trabalhava numa loja de sapatos, meio período, enquanto que meu pai estava no exército. Ele era mecânico especializado em motores, mas perdeu sua licença de dirigir porque aprontou demais. Então ele pensou: ‘Foda-se’ e entrou como voluntário no exército. Porque lá eles pagavam mais e com isso ele conseguiu sua licença de volta na hora. Minhas lembranças são de ter sido basicamente criado pelos meus avós, porque meus pais eram muito novos. Meu avô era um trabalhador das minas. Minha avó era uma dona de casa que de vez em quando fazia uns trabalhos como cabeleireira no quarto da frente. Minha primeira escola foi a Manton Primary, que era conhecida como um lugar duro naquela região. Todos os garotos da área estudavam lá. Mas nunca me pareceu dura, eu achava muito divertida, realmente. Eu me lembro de minha infância na época como sendo extremamente feliz.”
Mas na época em que Bruce estava pronto para ir para o primeiro grau seus pais tinham se mudado de Worksop, deixando-o com seus avós enquanto se dirigiam para Sheffield – a cidade grande mais próxima, altamente industrializada, onde trabalho naquela época era mais fácil de se achar.
Bruce Dickinson: “Meus pais se mudaram, porque os empregos estavam na ‘fumaça’, como Sheffield era chamada. Eu realmente nunca senti como se tivesse um pai e uma mãe. Meu avô era o que chegava o mais perto de ser um pai. Ele era ótimo. Meu avô estava provavelmente nos seus 45 anos naquela época, o que é realmente uma boa idade para se ser pai. Eu me lembro dele me ensinando boxe. Ele me ensinou como lutar antes de eu entrar para a escola. Ele me disse: ‘Se alguém disser alguma coisa na escola, bate nele! Fique firme e não deixe ninguém te dominar.’ E eu fui mandado de volta para casa no dia seguinte, porque eu tinha entrado na escola e batido em todo mundo! Então ele me deu uma dura me ensinando quando eu deveria bater e quando eu não deveria bater em alguém. De certa forma eu acho que eu fui o filho que ele nunca teve. Mas para a minha avó eu sempre seria o bastardinho que levou sua filha a ficar longe dela. Ela dizia que quando olhava para mim ela sempre via o meu pai. E eu realmente me parecia com o meu pai eu acho, pelo menos o rosto um pouco.”
Uma criança que conseguia ser feliz, senão um tanto solitária, que quando estava zangada se arrastava atrás do sofá e não saía de lá – “Eu não queria que ninguém me visse”. A primeira experiência musical de Bruce foi dançando “The Twist” de Chubby Checker na sala de estar dos seus avós. “Meus avós costumavam por o disco e eu dançava o Twist para todo mundo. E, claro, naquela idade você pensa que isso é o máximo.” O primeiro disco que ele se lembra de ter ganhado foi “She Loves You” dos Beatles.
“Nós tínhamos um toca discos e um rádio e eu dei um jeito de convencer meu avô a comprar para mim “She Loves You”, que foi o número um durante semanas e semanas e era do tipo de disco que você tinha que ter, sabe?” recorda Bruce “E talvez por causa disso, eu não sei, mas eu me lembro que pensei que o lado b do disco era melhor do que o lado a, e foi aí que eu comecei a ouvir música e decidir o que eu gostava e o que eu não gostava. Eu me lembro de ter gostado das harmonias do lado b de um compacto do Gerry And The Pacemakers, chamado “I’ll Never Get Over You”. Então eu fiquei sabendo de um garoto na rua que tinha uma guitarra elétrica e todo mundo falava nisso no maior burburinho. Eu devia ter uns cinco anos de idade e eu me lembro de ter visto este garoto com a guitarra elétrica, e isso foi como, bimba! Ele era um adolescente, devia ter uns 16 anos e ele parecia como um deus para mim. Ele tinha um cabelo longo – bem, longo para a época, devia ser um pouco abaixo das orelhas – e ele tinha sapatos pontudos e todas aquelas coisas. Eu quero dizer, parecia que ele tinha saído direto da televisão.”
Televisão naquela época foi crucial para que Bruce aprimorasse seu gosto musical. Embora seu tempo de assistir a programas fosse racionado, ele não perdia seus programas favoritos: Jukebox Jury – um programa de auditório em que alguns convidados especiais votavam sobre os mais recentes lançamentos musicais decidindo se o consideravam um sucesso (hit) ou fracasso (miss) – e Doctor Who, um dos primeiros seriados de ficção científica.
“Eu sempre assistia a Jukebox Jury porque era antes de Doctor Who, aos sábados à noite. Então os dois programas acabaram inseparáveis em minha mente. A excitação de ver os Beatles ou quem quer que fosse no Jukebox Jury era parecida com a excitação que sentia de ver os Cyberman de Doctor Who. Eles eram ambos de mundos diferentes para mim. Eu não estava particularmente interessado em ficção científica, mais fatos científicos, realmente. Eu era incrivelmente obcecado pela lua e o espaço, ao ponto de eu pegar grande painéis de papel de parede e desenhar planos para minha própria espaçonave, todo o equipamento de navegação e o resto. Planos realmente detalhados, sabe? A mesma coisa com um submarino, que eu desenhei quando eu tinha nove anos. Ia ser construído a partir de latas de lixo soldadas umas nas outras, com cerca de um metro de comprimento. Eu adorava a idéia de viver debaixo da água, como o capitão Nemo – ou flutuando no espaço, ou qualquer outro lugar exceto a realidade. Eu estava muito interessado na chegada à lua; a primeira chegada não tripulada à lua foi no começo dos anos 60. Eu me lembro de tentar dizer à minha avó o quanto importante isso era, porque ela ia usar o jornal para acender o fogo com ele. Eu disse: ‘Você não pode jogar isso fora!’ Eu não sei o que eu esperava que ela fizesse com aquilo, eu apenas achava que era muito importante para ser jogado no fogo. Mas assim eram os anos 60, crescendo naquele tempo eu sentia que não havia limite para o que você podia fazer.”
Exceto talvez em Sheffield, para onde Bruce foi despachado aos 6 anos, assim que seus pais conseguiram arranjar uma casa e empregos estáveis naquela cidade. “Eles nunca ouviam música.” relembra Bruce “Meus pais estavam totalmente focados em conseguir dinheiro. Era esquisito, eles eram muito rígidos. Então mais tarde eu descobri que tinham viajado pelo mundo ou coisa parecida. Eles trabalhavam em parceria com um show de cachorros, com, tipo, poodles pulando através de aros. Minha mãe costumava dançar muito, ballet, e ela era muito boa, tinha uma grande presença e tudo mais. Ela tinha ganhado uma bolsa para estudar no Royal College Of Ballet e minha avó não a deixou ir. Então ela ficou grávida e foi o inferno. Aí a dança virou sua maneira de sair desse inferno. Sair de Worksop, da loja de sapatos e tudo mais... então tinha toda essa outra vida que eu não conhecia nada quando era garoto.”
Talvez o único estímulo da família viesse de um velho violão que seu pai tinha, mas que nunca tocou. “Era muito, muito ruim, mas eu estava fascinado com ele. Era uma coisa velha, horrível, impossível de se tocar. Eu não acho que ninguém conseguia tirar nada daquilo. Então eu costumava pegá-lo e ficar tirando uns barulhos dele, fazendo sons terríveis e ficando com calos nos dedos.” Quando chegou a Sheffield Bruce foi mandado para uma escola primária local, notória por ser um local duro. “Era a Manor Top e, tanto quanto eu saiba, continua lá. Eu não sei como ela é agora, mas quando eu fui para lá ela era como um campo de concentração” Ele relembra com um sorriso torto. Como o garoto novo do pedaço, Bruce foi tão surrado e incomodado que seus pais tiveram que tirá-lo de lá e o matricularam numa pequena escola particular, a Sharrow Vale Junior. “Eu estive na Manor Top durante uns seis meses, talvez. E então nos mudamos – nós estávamos constantemente nos mudando de casa para fazer dinheiro. Meus pais costumavam comprar uma casa, arrumavam-na, aí a vendiam, para depois comprarem outra e começavam tudo de novo. Por boa parte de minha vida eu estava morando numa construção. Mas meus pais tinham chegado a um ponto onde eles estavam começando a fazer algum dinheiro. Compraram uma pensão. Eu acho que meu pai comprou uma garagem falida e começou a dirigi-la também. Ele estava sempre vendendo carros de segunda mão perto da entrada do hotel...
Como resultado dos incansáveis esforços de seus pais, na sua adolescência Bruce foi despachado para um colégio interno de segundo grau também pago, chamado Oundale, em Shropshire. “Eu não me importei em ir para lá.” comentou Bruce “Eu não me sentia particularmente feliz em estar com meus pais, por isso eu vi essa ida como uma escapatória. Eles me perguntaram se eu realmente queria ir , eu tinha uns doze anos e respondi que sim. Eu acho que era porque eu não tinha criado nenhum vínculo real com eles quando eu era muito, muito novo e também pelo fato deles terem muita dificuldade de se relacionar comigo de uma maneira profunda como pessoa.” Bruce se ressentia disso, mas hoje em dia olha para o outro lado da coisa: “Havia outras ocasiões que eu ficava surpreso de como eles podiam ser compreensivos com as coisas. Eu um dia roubei um carro de brinquedo de uma loja e fui apanhado. Passei um aperto com a polícia e tudo mais. E, claro, você tem 11 anos e eles tentam te fazer cagar de medo para que não faça isso de novo. E isso funcionou: eu me caguei de medo e desde então não furtei mais nada. Mas eu me lembro que meu pai teve que vir até a delegacia para me soltar e eu fiquei surpreso que não tenha me colocado no colo e me dado uma surra. Por outro lado ele nunca conversou comigo para saber porque eu tinha feito aquilo. Expressar seus sentimentos mais íntimos não estava no programa de minha família. Meu avô, que estava muito doente, mais tarde engoliu um monte de pílulas e tentou se matar. Mas ninguém falou sobre isso depois, e ele estava vivendo conosco naquela época – meus avós tinham se mudado conosco para o hotel então.”
“Mas de certa forma eu estou bastante agradecido pelo fato de não ter tido o que é convencionalmente conhecido por uma infância feliz e descomplicada. Isso me fez uma pessoa muito auto-suficiente. Eu cresci num ambiente que me mostrou que o mundo nunca iria me fazer nenhum favor. Que se você ficar parado e esperar por algo você vai acabar sendo pisoteado. Isso foi injetado em mim por causa do jeito que meus pais eram. Eles eram muito auto-suficientes e trabalhavam duro. Eles nunca paravam. E eu tinha muito poucos amigos íntimos, muito poucos, porque, você sabe, eu nunca ficava encontrando com ninguém por muito tempo. Eu estava sempre me mudando. Eu não acho que meu pai tivesse muito mais amigos tampouco. A única que tinha muitos amigos era minha irmã Helen, que nasceu não muito depois que eu me mudei para Sheffield. Ela o completo oposto de mim – totalmente sociável. Ela saía por aí e tinha centenas de amigos!”
Mas a educação em escolas privadas de Bruce chegaria a um fim brusco quando, aos 17 anos, foi expulso pelo crime meio surreal de ter urinado no jantar do diretor. Para entender bem esta estória é preciso ter em mente que o internato britânico é um dos mais conservadores de todo mundo ocidental. Poucas coisas mudaram desde o século passado neles e alguns métodos mais parecem medievais. Isso sem falar no inferno que veteranos fazem os calouros passar dentro destas instituições. Assim sendo Bruce sentiu na pele o que era ser atormentado quase que diariamente com todo o tipo de brincadeiras de mau gosto e surras dos mais velhos. Não eram brigas de socos como as que tinha tido de enfrentar em lugares como Manor Top. “Eram mais como uma tortura sistemática.” explica ele “Você não podia escapar, esta era a coisa. Em Manor Top pelo menos você podia voltar para casa no fim do dia.” Seu maior tormento era o ‘capitão do dormitório’ (uma espécie de chefe de turma), um rapaz de 18 anos, com cerca de 1,90 m de altura ( e “com a idade mental de 12 anos” ). Bruce conta que a brincadeira favorita de seu chefe de dormitório era “de chegar às 10 da noite, pegar um travesseiro, transformá-lo numa arma, juntar todo mundo em torno da minha cama e me dar uma lição de auto defesa me surrando até não poder mais.” E seria assim por todo o seu primeiro ano...
“Essas coisas aconteciam literalmente a cada noite. E você ia para a cama algumas noites e eles tinham colocado seis ovos quebrados dentro dela e tudo estaria ensopado, todas as roupas estavam molhadas, tudo arruinado e impossível de dormir neles... Eu sei que eu poderia ter chamado meus pais, mas isso teria sido me acovardar, então eu não o fiz. Eles ficaram sabendo cerca de um ano e meio depois. Gozado, eu achava que falar para os meus pais ou professores seria uma forma de deixá-los ganhar. Eu estava determinado a não deixar isso acontecer. Você não pode deixar as pessoas arrancarem o melhor de você, essa era minha atitude. Mesmo quando está ali estendido no chão todo espancado, você ainda assim pode dizer: ‘Tudo bem, você é maior do que eu, pode me bater à vontade, mas você não é superior.’ Assim sou eu, cara. E foi o que aconteceu comigo. Eu costumava chorar até não poder mais escondido, mas nunca, nunca, nunca mostraria esse tipo de... de fraqueza... em público, porque assim eles teriam vencido.”
Bruce cresceu como sendo filho único, constantemente mudando de casas, escolas e até de pais. Ele se sentia distante até mesmo de sua irmã – coisa que confessa sentir um pouco até hoje – porque “Ela foi uma criança planejada, você sabe. Então eu comecei a sacar que eu era esse... deslocado (obs. em inglês: outsider. Que quer dizer uma pessoa que não está dentro de um determinado sistema). E eu só aceitei isso. Mas foi quando eu comecei a, vamos dizer, fazer coisas diferentes. Eu em lembro que eles tinham um curso na escola de cadete para o exército que todo mundo odiava, então eu resolvi ficar com a liderança daquilo. E eu podia cuidar de toda a munição de verdade, e armas, e todas esses revólveres e coisas assim.” Com acesso a esse tipo de coisa e ajudado por outro deslocado que passava pelos mesmos apuros, nosso herói, aos 16 anos, cuidou de se vingar de seus algozes preparando pequenas bombas de pólvora e fazendo armadilhas com elas. “Oh, Deus, nós manipulávamos um material que era tão perigoso! Preparando pequenas armadilhas para as pessoas. Não para machucar, mas para assustá-las.” ele relembra.
Foi nessa época, muito longe de se imaginar um cantor, que Bruce teve seu primeiro passo para o lugar que se sentiria à vontade. Foi entrando para aulas de teatro na escola. “A primeira vez que subi no palco, eu adorei. Eu me senti confortável na hora, então eu comecei a ser voluntário para qualquer peça que estivesse sendo montada. Eu fiz uma porção. Eu até mesmo acabei dirigindo algumas delas. Eu amava isso. Não tanto a roupagem, mas a linguagem, e tentar entrar na cabeça do que estava acontecendo na peça. Nós encenamos Shakespeare – o departamento de teatro era muito ambicioso, e eu me lembro de tomar parte dessas produções bastante elaboradas de McBeth e Henrique VI. Eu costumava dar muito duro para tentar e entender o que estava sendo dito no papel e dar algo a ele, entende?”
Mas a música não estava muito longe de deixar sua marca no adolescente Bruce. O hábito de ouvir rádios de pilha debaixo dos travesseiros durante a noite, após o horário de apagar as luzes, era muito comum numa escola interna que restringia terrivelmente os alunos no tocante às horas de folga.
“Nós só tínhamos permissão de ver televisão uma hora por semana, conseqüentemente o único outro tipo de diversão externa que tínhamos era música. E os caras estavam sempre trocando discos ou vendendo-os de segunda mão. Você caminhava pelos corredores e vinha música de quase todas as salas. E eu ouvi um dia essa coisa soando no quarto de alguém um dia, eu fui lá dentro e perguntei: ‘Oooba! O que é isso?’ e eles olharam para mim com desdém e disseram: ‘É Child In Time do Deep Purple. Você não sabe de nada?’ Mas eu estava muito fascinado para me importar. Eu fiquei tipo ‘Yeah, mas onde eu posso conseguir esse disco?’ O primeiro disco que eu comprei na minha vida foi o In Rock do Deep Purple, arranhado até não poder mais, mas eu pensei que era o máximo. E foi isso que começou a me fazer começar a comprar álbuns e ficar por dentro de rock. Isso e os concertos. Uma banda sempre ia tocar na escola. A cada quatro meses então nós tínhamos um concerto de rock. A primeira apresentação que fui na vida foi a de uma banda chamada Wild Turkey. E eu me lembro que li uma entrevista com eles pouco depois na Melody Maker ou coisa assim, e eles foram perguntados sobre qual teria sido a tour deles, e um deles respondeu: ‘É engraçado, mas o melhor show de toda a turnê foi um que demos nesse colégio interno.’ Eu me lembro que fiquei completamente maluco, minha camisa até saiu!”
Houve outros concertos que marcariam a vida do jovem estudante, como o que o Van Der Graaf Generator tocou por lá (uma inovadora banda progressiva) e Arthur Brown (“Seu disco Kingdom Come tinha acabado de sair e era fantástico – o melhor cantor que já tinha visto” ). “A música que se apresentava por ali era sempre meio progressiva, muito ligada a discos conceituais. Era esta a minha dieta de música ao vivo. Mas quanto aos discos, eu sempre ouvia o primeiro disco do Black Sabbath, In Rock do Deep Purple, Aqualung do Jethro Tull, Tarkus do Emerson , Lake & Palmer – tudo que encontrava. Eu quero dizer, eu devia ser o sonho de qualquer publicista, porque toda banda que eu via ao vivo eu comprava o disco. Depois eu ia atrás e comprava os discos daquelas bandas que os teriam influenciado na carreira, você sabe. Mas a minha banda favorita era o Deep Purple. Eu apenas achava que o disco ‘In Rock’ era a melhor coisa de todos os tempos!”
Mas ser um cantor era uma coisa que ainda não tinha passado pela cabeça de Bruce. Originalmente ele se via como um candidato a baterista. “Ian Paice do Deep Purple era meu maior herói, eu só queria ser Ian Paice” ele confessa “Mais especificamente eu queria ser o pé esquerdo do Ian Paice! Mas eu não tinha dinheiro para comprar uma bateria. Tinha dois garotos ricos que arranjaram um kit de bateria na escola e tipo que arranjaram uma banda. Eu me lembro de ficar flertando pelos fundos vendo-os ensaiar e pensava: ‘Eu tenho certeza de que posso tocar melhor do que eles.’ De vez me quando eles me deixavam dar umas tocadas na bateria e eu não conseguia fazer nada direito. Mas eu sabia que podia fazer melhor do que eles, eu sentia isso no meu íntimo. Eu costumava fazer um kit de bateria usando livros e outras coisas na minha mesa. Eu não tinha baquetas por isso eu usava dois pedaços de madeira e ficava batendo na minha cama às 7 da manhã.”
Eventualmente Bruce conseguiu dar um jeito de participar dos ensaios quando pegou ‘emprestado permanentemente’ um par de bongôs da sala de música da escola. “Eu comecei a zoar com eles num canto sem perguntar se podia. Eu fiz amizade com o cantor deles que era esse cara chamado Mike Jordan. Nós costumávamos fazer jogos de guerra juntos. Ele tinha ganho todos esses prêmios de canto – ele era um baixo – como um cantor de música clássica. Então ele era o cantor nesse grupo e era uma coisa horrível, nada a ver com rock’n roll. Eu me lembro de tentar aprender ‘Let It Be’ dos Beatles: ela tinha só dois ou três acordes e estávamos todos tentando tirá-la. Eu estava lá no canto tentando soar como John Bonham (Led Zeppelin) num par de bongôs, e soava terrível, minhas mãos estavam vermelhas e estava dando uma dor de cabeça em todo mundo. Parecia um cavalo andando sobre caixas. Mas o pobre Mike não conseguia atingir as notas mais altas de jeito nenhum, e eu tentei encorajá-lo a seguir em frente cantando junto com ele – só que eu conseguia atingir as notas agudas. Eu sempre pensei que provavelmente eu poderia cantar, de fato eu sabia que podia cantar porque todo mundo já tinha me ouvido gritando em ‘Jerusalém’ no coro da escola e em diziam ‘Você tem realmente uma boa voz’. E eu respondia: ‘Besteira!’ Você sabe, mas isso me fazia pensar.
“Então eu disse: ‘Me dêem uma oportunidade como cantor e eu não toco mais os bongôs e dou uma mão pra vocês com as notas altas de ‘Let It Be’. E foi o que fizemos e todo mundo disse : ‘Legal! De onde esta voz apareceu?’ Infelizmente a banda acabou uns cinco minutos depois. Mas havia aquele outro garoto, que também era muito nervosinho, que estava numas de curtir B.B. King e gostar de Blues. Ele estava aprendendo tudo num violão e eu costumava sair com ele – Nick Bertram era o seu nome – e ele tirava aquele songbook do B.B. King e tocávamos todos aqueles clássicos do blues e coisas assim. Ele tocava e eu cantava. E foi quando eu fui expulso por urinar no jantar do diretor...”
Na realidade foi uma brincadeira mais inocente do que parecia: o jantar estava sendo preparado para uma festa. Mas descobriram que estavam sem óleo de cozinha e pediram o óleo dos estudantes do quarto de Bruce. Bruce e outro garoto resolveram fazer uma “pequena” brincadeira e ‘batizaram’ o óleo com uma pequena quantidade de urina. Ele e o outro responsável tomaram algumas cervejas e caíram na gargalhada. Tiveram o azar de contar a brincadeira para outro colega e no dia seguinte toda a escola estava sabendo.

“A pior coisa de ser expulso foi esperar pelo meu pai vir com o carro me pegar. Mas meus pais não me falaram nada sobre o assunto, do mesmo jeito que fizeram quando eu furtei o carrinho de brinquedo. Eles me pegaram, não falaram nada sobre isso, nunca mencionaram a respeito. Eu tinha pensado ‘Inferno, sabe, eles não vão dizer nada?’ Mas eu saí da escola e os seis meses seguintes foram muito, muito proveitosos.”
Voltando para casa em Sheffield, ele foi estudar numa escola bem mais liberal e de vanguarda (para a época). “Eu adorei! Ela era brilhante! Todo mundo era, tipo, normal, e havia garotas lá – o que me deixou maluco na hora. Fiquei numas de ‘Que coisa, eu espero que elas conversem comigo!’ Então, na minha primeira ou segunda semana lá, eu ouvi aqueles dois garotos conversando e diziam; ‘O que vamos fazer sobre o ensaio de hoje á noite então? O cantor pulou fora, o que vamos fazer?’ E eu fiquei pensando ‘Cristo! Devo dizer que eu sou um cantor?’ Então eu me virei e disse: ‘Eu posso cantar para vocês, se quiserem.’ E eles responderam: ‘Oh, grande, esperamos você lá então.’ Então eu fui lá e descobri que o baterista deles era um garoto que conhecia de minha velha escola. O ensaio foi na garagem do seu pai – bateria, baixo, duas guitarras – muito estilo Wishbone Ash, porque eles tinham aprendido todo o disco Argus (o mais famoso LP do grupo, muito popular no início dos anos 70) nota por nota. Assim que eu fui aprendendo as canções eles ficavam numas de me dizer “Fucking hell, você realmente sabe cantar! Uau, nós temos um cantor!’ Então eu comecei a pensar: ‘Eu tenho que comprar um microfone...’
Mas Bruce não se sentia nada confortável nessa posição. “Eu me sentia como uma velho tarado indo comprar uma revista pornô, porque isso era muito esquisito. Se alguém me perguntava ‘Você é um cantor então?’ eu respondia ‘Não, não, eu não sou não, definitivamente não!’ E saía correndo da loja. Eu estava com muito medo de parecer um idiota, eu não queria fazer aquilo a não ser que conseguisse atingir cada nota como Ian Gillan. Eu não queria me ver como um cantor se não conseguisse atingir este ponto e eu não sabia se conseguiria.’
“O primeiro lugar que nós fizemos uma apresentação foi numa taverna chamada Broad Fall, em Sheffield, onde se fazem este tipo de shows. A banda se chamava Paradox e eu disse: ‘Este é um nome idiota. Por que não um nome grande e místico como Styx?’ E eles responderam: ‘Este é um bom nome.’ Então nos chamávamos de Styx. Nós não sabíamos que já havia esta grande banda americana com este nome. Nós éramos uns sonhadores ignorantes. Mas a banda acabou pouco depois disso e ficou por aí – exceto eu agora tinha um microfone e um amplificador. Eu pensei: ‘Bem, eu sempre posso usá-los de novo em algum outro lugar.’
Bruce deixou a escola com três notas máximas – Inglês, História e Economia – e no princípio considerou seguir os passos de seu pai indo para o exército. Ele já tinha se alistado no Exército Territorial (uma espécie de curso para entrar em armas) e seu pai aprovava a idéia de seu filho ter uma carreira desse tipo.
Bruce: ‘Eu não sabia o que ia fazer. Mas eu fui para casa e pensei: ‘Foda-se, eu vou fazer o TA por seis meses.’ Eu até que gostei, mas eu logo percebi que minha fantasia de que ia ser como um Rambo indo atirar para todo lado era uma merda. Havia tantos idiotas, senão mais, no exército quanto em qualquer lugar. Não necessariamente os caras com quem eu estava, porque eles eram um bando de colegas legais. Nós íamos até a mata, fazíamos um monte de buracos, enchíamos a cara e voltávamos e ficávamos bêbados como gambás. Eu nunca tive visto homens ficarem tão bêbados e fazerem coisas tão deploráveis, e eu certamente nunca tinha visto tantas ‘mulheres fáceis’. Eu quero dizer, eu não fazia nada com elas, eu não tinha a menor idéia do que fazer. Eu me lembro desta mulher tentando me levar para cima e tudo que eu fiz naquela noite foi jogar dardos. Eu não tinha a menor idéia de como lidar com aquilo. Mas, no fim das contas, eu concluí que isso não era uma escolha de carreira, era um pouco de fantasia, realmente. Foi uma boa maneira de dar uma escapada por uns tempos, porque eu não sabia o que mais iria fazer. Tipo, ser um cantor de rock’n roll? Se isso não é uma fantasia, então o que é?”
Ao invés disso ele resolveu se inscrever para conseguir uma vaga na universidade para estudar História, mais exatamente no Queen Mary College, no East End de Londres. “Foi a primeira vez que fui para Londres” conta Bruce “Meus pais me perguntaram: ‘O que você vai fazer quando for para lá?’ Eu lhes disse que ainda iria para o exército, mas que queria ter o meu diploma antes. Era o que eles queriam ouvir e isso foi a estória que contei para disfarçar. Assim que eu cheguei lá eu imediatamente comecei a procurar e ir tocar em bandas. Eu encontrei esse cara que se chamava Noddy White, que se parecia demais com o Noddy Holder do Slade. Ele era do Southend (região sul de Londres) e era um pouco guitarrista, um pouco baixista, um pouco tecladista, um pouco compositor, um pouco de tudo, sabe? E ele tinha um monte de equipamentos, caixas de som, tudo. E eu fiquei numas de ‘Foda-se, cara, vamos formar uma banda!’
A banda era chamada de Speed: “A banda não tinha nada a ver com tomar speed (gíria para anfetaminas), nós éramos uma banda completamente limpa, é que nós tocávamos tudo ridiculamente rápido!” E eles ensaiavam todas as vezes que Bruce conseguia convencer o dono do equipamento a montá-lo. “Eu pedi ao Noddy para me dar algumas aulas de violão e comecei a escrever canções na hora. Ele me ensinava três acordes e eu escrevia a partir só destes três acordes. Naquela época o Punk estava estourando e no East End você estava bem no meio do movimento. Eu me envolvi com o Entertainment Comittee (uma espécie de grêmio estudantil) da faculdade e um dia você seria roadie para o The Jam, no outro estaria colocando o cenário de Stonehenge para um show do Hawkwind, ou qualquer coisa assim. Eu me lembro de ver Ian Dury and the Blockheads tocando lá. Os Sex Pistols fizeram um show meio secreto na escola. Aí a gente começou a fazer algumas apresentações. Nós costumávamos pegar o micro ônibus da escola, dizendo que estávamos pegando emprestado para um curso fora, tirávamos todos os assentos, amontoávamos todo o equipamento e íamos para o pub Green Man, em Plumstead. Nós arranjamos até que uma boa base de fãs no final, e eu tive minha primeira experiência do que era ir lá e cantar em frente a um público: era uma dessas bandas de escola que não duram muito, mas foi legal enquanto durou.”
Mas não foi bom o bastante. Bruce queria expandir seu repertório e logo viu um anúncio na Melody Maker que chamou sua atenção imediatamente: - “Procura-se cantor para completar um projeto de gravação”. Bruce, que nunca havia estado num estúdio antes, respondeu ao anúncio. Eles pediram que ele mandasse uma fita com uma demonstração de sua voz. Bruce diz que “Uivei, gritei, lati e apenas fiz barulhos.” Na fita que mandou. E ainda mandou uma nota onde já deixaria a marca de seu humor: “Falando nisso, se vocês acharem que o cantor é uma merda, há algumas comédias de John Cleese (do Monty Pythom) no outro lado da fita que vocês podem achar engraçadas.” A fita foi retornada e o cara disse: ‘Nós achamos sua voz realmente interessante. Venha ao estúdio.’
“Assim eu fui lá e gravei esta canção chamada ‘Dracula’. A faixa era desta banda obscura chamada Shots, que era formada basicamente por este cara Phil Shots e seu irmão, Doug. Só Deus sabe o que aconteceu com esta gravação, mas Doug ficou louco, porque nós dobramos as vozes, fazendo uma coisa como uma harmonia de quatro partes. E ele ficou me perguntando ‘Você tem mesmo certeza que nunca fez isso na sua vida?’ Nós então começamos a conversar e ele me perguntou que tipo de música eu gostava e é claro eu mencionei Ian Gillan, Ian Anderson (Jethro Tull), Arthur Brown... e Doug fala: ‘É isso aí! O Arthur Brown, cara! Algumas vezes sua voz é igualzinha ao do Arthur! Nós temos que formar uma banda!’ E eu pensei: ‘Caralho, sabe, esse cara tem um estúdio e quer formar uma banda comigo.’ Eu respondi; ‘Yeah!’”
Bruce começou a cantar com o Shots em “principalmente bares, mas ninguém estava interessado.” Até que numa noite, puto com aquilo, ele meio que brincando começou a xingar a platéia por não estar prestando a devida atenção. A resposta foi tão boa que ele começou a fazer isso toda noite até que virou parte do seu ato.
Bruce conta como começou: “Nós estávamos tocando em clubes para cinco pessoas e você está tentando fazer o seu trabalho e ninguém estava prestando atenção. Então entrei nessa de parar uma canção na metade e começar a provocar estes caras na platéia. Eu começava: ‘Ei, você! É, você! Você, seu gordão! Todo mundo olha para ele. Todo mundo está olhando para ele? Ok, qual é o seu nome? Você tem um nome?’ Apenas para provocar as pessoas e todo mundo de repente presta atenção, porque correm o risco de serem os próximos! Aí antes que o cara tenha chance de responder, nós começávamos a próxima música –só que agora todo mundo estava ouvindo. A primeira vez que fiz isso o dono do lugar veio e disse ‘Foi um grande show, caras! Vejo vocês na próxima semana!’ Então começamos a desenvolver isso nas apresentações. E foi a partir daí que passei a ser não apenas um cantor, mas um frontman também. Eu descobri que um monte de gente pode cantar mas peça a eles que subam no palco e segurem a platéia e eles não conseguirão. Eles não saberiam como. Então isso era um fato muito importante que descobri sobre este trabalho.”
Mas a verdadeira chance de Bruce aconteceu na noite que membros do grupo Samson apareceu de surpresa num show que o Shots dava em Maidstone, em 1978. Liderado pelo guitarrista nascido em Sidcup, Paul Samson, eles já tinham lançado um LP, Survivors, através do selo independente Lazer, atraindo uma boa parcela de interesse na imprensa, fazendo-os que se destacassem junto com certas bandas como Iron Maiden, Saxon e Angel Witch num novo movimento que estava sendo chamado de NWOBHM. Mas seu maior destaque, curiosamente, era o fato de seu baterista Thunderstick (nome verdadeiro: Barry Purkins), usar uma máscara sadomasoquista no palco. (Ele era também um fã ardoroso do Kiss. Nos primeiros tempos do Maiden. Purkins chegou mesmo a tocar com grupo, mas fez só um show com a banda).
Bruce Dickinson: “Eles viram o nosso show e nós tivemos um bate-papo depois e me perguntaram: ‘Qual é a sua?’ eu disse: ‘Bem, eu gosto muito do Purple, Sabbath e Jethro Tull, mas eu gosto de fazer coisas com uma ponta de esquisitices.’ Porque naquelas alturas o Shots tinha virado quase que um ato de comédia Heavy Metal. A interpretação tinha ficado mais importante que a música. Mas o Thundestick estava numas de curtir o Heavy Metal Kidz (uma banda meio de paródia da época) e me disse: ‘Foi como ver um jovem Gary Holton (vocal do Kidz), gozando as pessoas e se divertindo, foi ótimo!’ E eu disse: ‘Tudo bem, eu posso faze-lo, mas eu acho que havia mais coisa (no show) do que isso.’ Mas Paul Samson me deu seu número de telefone e disse: Ouça, nós temos um disco que saiu agora, temos um contrato de gravação mas precisamos de um novo cantor e queríamos que você entrasse para o grupo.’ Faltavam umas duas semanas para as minhas provas finais na faculdade e eu então disse: ‘Sim, eu adoraria estar na sua banda, mas podiam me dar duas semanas? Eu tenho algumas provas para fazer e aí eu sou todo seu.’”
Conseguir se formar não parecia ser uma coisa importante – até Bruce perceber que poderia nem sequer chegar a fazer os exames se não deixasse suas atividades extra-curriculares de lado pelo menos durante um tempo. “Eu fiquei enrolando na faculdade durante dois anos” admite ele “fazendo apenas o mínimo necessário, enchendo a cara, indo pra cama e geralmente me divertindo muito. E então eles quiseram me expulsar por não pagamento de aluguel, porque eu gastei todo o meu dinheiro para pagar a faculdade comprando equipamento para a banda. Eu costumava me esconder quando os inspetores de aluguel apareciam. E também havia tomado bomba nos meus exames do segundo ano. Então eles tinham um caso muito fácil, realmente. Mas eu era encarregado da seção de entretenimento da Students Union ( uma espécie de UNE de lá )e naqueles dias isso tinha um certo peso. Então eles deixaram passar, mas eu tive que fazer seis longos trabalhos no espaço de duas semanas, que as pessoas normalmente levam seis meses para fazer, consegui boas notas em todos eles e eles acabaram me deixaram ficar. E nos seis meses finais para a minha formatura eu pensei: ‘Foda-se, eu já fui muito longe, seria uma vergonha não ir à biblioteca, abrir um livro e descobrir o que afinal de contas do que é se trata o curso de História.’”
Estudando como um doido nas últimas semanas antes dos exames finais, Bruce conseguiu tirar o suficiente para passar. “Era o que a maioria das pessoas consegue, de qualquer forma.” conclui ele bem humorado. Ir direto da sua última prova para seu primeiro ensaio com o Samson provou ser uma experiência diferente demais até mesmo para o infatigável Bruce. “De fato, os primeiros ensaios que tive com o Samson definiram claramente o padrão que teria todo o meu tempo com a banda.” Ele estava para entrar o que ele pode hoje falar bem humorado de “Meus dias de ‘vamos-experimentar-drogas’. Eu nunca tinha me envolvido com drogas. Eu apenas costumava beber muito naqueles tempos. Mas quando eu fui lá e o baixista estava cheirando carreiras de sulfato atrás dos amplificadores, Paul estava fumando quilos de maconha e o baterista tinha engolido um punhado de mandies ( um poderoso tranqüilizante que só podia ser vendido sob estrita prescrição médica, mas que se tornara popular entre músicos no final dos anos 70). E eu tinha estado no bar, é claro, logo depois de fazer minhas provas, então você pode imaginar a zona que nesse meu primeiro ensaio. Thunderstick caiu do seu banquinho porque ele estava completamente fora de si com os mandies. Mas por sorte tinha uma parede atrás dele e então a gente o encostou lá e ele conseguiu continuar tocando. Eu não tinha a menor idéia o que estava acontecendo, sério. Eu só fui em frente com aquilo tudo. Thunderstick era obviamente um grande fã do Kiss, eu podia perceber isso. E Paul estava numas de curtir Leslie West e Mountain e ZZ Top, e eu era maluco por Deep Purple, então éramos um grupo e tanto.”
Não sabendo exatamente seus limites ou objetivos, ele decidiu que o melhor caminho a seguir seria “me atirar de cabeça naquilo e fazer o melhor que podia. Quando em Roma, faça como os romanos, essas coisas. Eu terminei com a minha namorada que estava comigo há três anos na universidade. Eu disse a ela que iria me tornar um completo cretino. Eu pensava que era isso que eu tinha que fazer, francamente, e assim eu poderia me comunicar com os rapazes da banda. Porque não era nada do que eu esperava. Na minha inocência eu achava que pessoas que tocavam em bandas de rock’n roll eram grandes artistas, e foi um grande choque nas minhas convicções quando eu descobri que não eram, que não queriam nem se tornar isso, realmente. Alguns deles queriam, talvez. Mas outros – como o Samson – estavam com medo dessa idéia, alguns deles só queriam beber uns tragos, dar uma boa trepada e tomar umas drogas, e eu descobri que isso era muito, muito difícil de lidar. Eu pensei: ‘Eu tenho que descobrir se eu vou trabalhar com esses caras e nós vamos fazer música.’ E tão logo eu aceitei esta idéia eu pensei ‘Certo, eu devo então saber o que toda essa tomação de drogas e trepadas são afinal de contas.’
Mas Bruce nunca entrou nas mais pesadas. O máximo que chegava no material ilegal era maconha, seu maior vício pessoal. “Eu já fumava um pouco naquele tempo” ele admite “Alguém já havia me ligado num pouco de droga na escola, e eu pensei ‘Oh, isso é meio esquisito’ Eu gostava daquilo, sabe? E no Samson isso era um tipo de hábito. Quer dizer, Paul costumava acender um baseado todo dia, o dia todo. E descobri que se você está limpo você não consegue realmente se comunicar com ninguém. Era impossível. Por isso eu pensei ‘Oh, eu devo então fumar um baseado ou não vou conseguir ser capaz de escrever nada’. E foi mais ou menos deste que jeito que a coisa foi. Eu mais ou menos me resignei a isso. Tipo, eu vou me tornar uma pessoa que eu basicamente não sou por dois ou três anos, sabe, porque eu queria ser um cantor, e pensava que isso era parte do preço que você tinha que pagar. Para ser honesto, cada pequena coisa que eu fazia era outro passo para atingir meu objetivo, que era ser um cantor numa banda de rock’n roll. Eu acho que você tem que ter esse nível de crença, ou pelo menos eu tenho.”
Bruce teve que engolir muitos sapos para poder ter a sua oportunidade de sucesso. Teve até que aceitar um nome boboca, ficando conhecido durante seus tempos no Samson como “Bruce Bruce”, algo tirado de uma cretina piada da trupe do Monty Pythom. “O pessoal da editora vivia me mandando cheques de brincadeira, só para me gozar.” Diz Bruce, que cansou de explicar a estória “e uma de suas piadinhas era de me mandar um cheque nominal para Bruce Bruce, como num daqueles sketchs do Monty Pythom. E ele pegou. Quer dizer, eu não fiquei muito contente com isso mas pensei ‘Oh, bem, ok, é um tipo de nome de guerra, não é?’ No Samson Bruce pode expandir bem sua capacidade como compositor, escrevendo com Paul a maioria do material gravado pelo conjunto. Ele deixaria dois álbuns: Head On, lançado em 1980, através do pequeno selo Gem, e Shock Tactics, lançado pela RCA, depois que o Gem faliu em 1981. Em nenhum dos dois discos o vocal de Bruce está na mesma categoria que mostraria nos seus trabalhos com o Iron Maiden. Mas não eram maus discos, principalmente para a época: um bom hard rock do início dos anos 80, fortemente influenciados pelas bandas dos anos 70. Tampouco atingiram grandes posições nas paradas. A falta de uma grande gravadora para promovê-los em escala maior parece ter sido o principal fato de não ficarem mais conhecidos na época. Aparentemente o Samson tinha o talento, mas não a sorte.
Bruce: “Eu acho que Head On poderia ter sido um bom disco. Eu só pediria a Deus para termos tido um produtor decente, porque tinha umas grandes canções nele. E francamente, é meio engraçado, eu falei isso com o Rod Smallwood um tempo depois e ele meio que admitiu que a única banda que ele achava que podia rivalizar com o Maiden era o Samson. Ele é bastante honesto para admitir que deliberadamente se encarregou de fazer o Maiden bater o Samson de qualquer jeito. Não especificamente por isso mas porque antes de eu me juntar à banda, o Samson tinha sabotado o Maiden numa passagem de som ou coisa parecida. E Rod nunca os perdoou por isso. Eu acredito nesta estória porque com certeza havia mesmo algumas batalhas de ego rolando naqueles tempos.”
O Samson havia sido jogado no lote da NWOBHM e não demorou muito para que eles estivessem dividindo os mesmos palcos com outros colegas da NWOBHM como o Praying Mantis, Angel Witch e, claro, o Iron Maiden. “Havia aquela coisa chamada de ‘A Cruzada Pelo Heavy Metal’ , a qual o Iron Maiden era uma parte dela, e era basicamente uma espécie de um circo viajante de bandas que tocaram no Music Machine, em Camden, toda semana.” Explica Bruce “Os empresários do Samson sempre declararam que a idéia tinha sido deles, então o Samson sempre estava no programa da NWOBHM em algum lugar. O Saxon estava lá também, e o Angel Witch – todo mundo que fez parte daquela coletânea da EMI, a Metal For Muthas. Então, sabe, aquela coisa existia, para o bem ou para o mal, e foi realmente a minha primeira experiência dessa idéia de que havia um tipo de... movimento. Até então eu desconhecia isso. Mas a primeira vez que eu vi o Maiden, eu acho que foi no Music Machine, foi por volta de 1980. Nós éramos a banda principal da noite, mas aí eles vieram trazendo toda aquela tribo do Ruskin Arms e o lugar ficou lotado e as pessoas ficando loucas por eles. E eu me lembro de estar assistindo eles no fundo do palco, sentindo esta vibração em volta da banda, e pensei; ‘Isso é o Purple!’ Essa foi a primeira coisa que me veio à cabeça, que isso era puro Deep Purple. Tinha o Dave Murray, que era obviamente influenciado pelo Ritchie Blackmore, ele tinha a (guitarra) Strat, o cabelo muito longo... e o baterista soava como Ian paice – Quer dizer, parecia um clone dele! Eu não percebi o baixista naquela primeira vez mas eu olhei para o cantor, Paul, e pensei: ‘Hummm, eu não entendo porque ele está lá...’

“Mas eu fiquei olhando, e eles eram bons, fodidos de bons. E naquele momento eu me lembro de ter pensado: ‘Eu quero cantar nessa banda. De fato, eu vou cantar nessa banda! Eu sei que vou cantar nessa banda.’ E não foi nem uma coisa de tentar forçar a entrar nela. Eu apenas pensei que era inevitável. Eu apenas pensava o que poderia fazer com a banda, porque eu sempre tinha sido um imenso fã do Purple, e eu vi o Iron Maiden como outro Deep Purple – não idêntico, musicalmente, mas talvez o mesmo arrepiar da espinha. Eu pensei: ‘Isso é que é realmente eu . Não o Samson.’ O Paul mesmo estava desprezando-os. Um pouco eu acho que era inveja, um pouco eu acho que era verdadeiro. Ele apenas não gostava do som deles, não conseguia se identificar com isso de jeito nenhum. Mas eu me lembro que tinha esta garota que era uma espécie de groupie - nós a chamávamos de Flannel Tits (seios de flanela) - e eu acho que ela estava flertando com os caras do Maiden também – e ela apareceu um dia com uma fita do Maiden de um show deles gravado direto na mesa de som. Ele pôs para tocar e eu falei: ‘Putamerda! Isso é louco!’ Eles faziam o Samson parecer uma piada em comparação. Nossa noção de dinâmica nunca foi muito boa, mas o Maiden tinha a deles muito, muito precisa.”
Bruce admite que era o que mais admirava na banda era o seu direcionamento, sua firme decisão e objetividade que o atraiu mais do que a música propriamente dita. Ele afirma que “não ouvia muitos seus discos, foi vendo-os e ouvindo-os ao vivo que me impressionou. Quer dizer, é claro que eu ouvia os discos, e algumas coisas lá eram muito legais. Como ‘Prodigal Son’ e ‘Remember Tomorrow’. Sobre o seu predecessor na banda, Bruce opina que “Ele soava muito bem nos discos. Mas quando chegava o pega para capar –quando a banda estava detonando no palco – ele tinha que ir ao máximo, dominar isso e eu achava que era aí que a coisa tipo que não acontecia.”
A vez seguinte que encontraria com a banda só ocorreria quase um ano depois e seria fruto de uma coincidência. O Samson estava gravando seu disco Shock Tactics no estúdio adjacente ao que o Maiden estava então produzindo Killers.
Bruce Dickinson: “Havia um bar no Morgan Studios onde nós todos podíamos nos encontrar. Martin Birch estava produzindo o disco deles e Martin era meu herói. Ele tinha produzido a maioria dos meus álbuns preferidos e só de botar os olhos nele e eu pensava: ‘Oh meus Deus!” E é claro que o Clive Burr estava por lá também, e era quem nós conhecíamos porque ele tinha tocado no Samson antes de eu entrar. E Clive costumava ir visitar nossas gravações e retribuímos indo lá vê-lo gravar também. De qualquer forma eu estava lá uma noite e eles tinham acabado de terminar esta mixagem, e Clive disse: ‘Vem aqui dentro e ouça’, aí ele ligou as caixas de som tão alto quanto podia e ficou em pé no fundo da sala bebendo uma cerveja. Eu me lembro de ter ouvido esta coisa – eu acho que era ‘Murders In The Rue Morgue’ – e ter ficado numas de ‘Uau, isso soa fantástico!’ E era. Eu tinha ouvido o primeiro LP do Maiden e achava que o som dele era uma merda (obs. ele, claro, se refere à produção do disco). E aí quando eu ouvi o Killers eu pensava que isso meio que faria eles serem realmente grandes. Claro que Killers foi o disco que eles receberam críticas muito duras por aqui, mas foi aquele que o resto do mundo parou e deve ter pensado ‘Espere um pouco, isso é bom...’”
Uma das ironias do destino é o fato de que o Samson deveria ter sido o grupo de suporte do Maiden na parte européia da tour de 1981. Seria a primeira tour mundial e aquela que levaria à demissão de Paul Di’Anno.
Bruce: “Nos programas da tour de Killers, chegaram mesmo a imprimir um anúncio do Shock Tactics no verso. Mas nós fomos retirados na última hora porque nossa gravadora não queria pagar pelas despesas da tour ou qualquer coisa assim. Eu ainda não estou certo até hoje se esta foi a verdadeira razão, mas qualquer que ela fosse, fomos retirados no último minuto e então estava feito. Então o Samson, no tempo em que eu estava com eles, jamais chegou a tocar fora do Reino Unido.”
Foi o princípio do fim da relação Samson e Bruce Bruce. Sua gravadora, a Gem, quebrou. As gravações de Shock Tactics foram então repassadas para a RCA que, segundo Bruce “Não estava dando a mínima sobre esta banda desconhecida da Inglaterra. No que diz respeito a eles foi como se dissessem: ‘vamos só lançar e quem se importa?’ Desiludidos com o que parecia a maneira inepta com que dirigiam os negócios da banda, Samson despediu seus empresários, o que acabou por deixá-los numa situação ainda pior. ‘Nós fizemos isso tudo da maneira errada, provavelmente porque estávamos chapados o tempo todo naquela época.” Diz Bruce. Com isso foram processados pelos seus agora ex-empresários e foram perseguidos por ações na justiça que acabaram por fazer com que seu equipamento fosse gradualmente confiscado enquanto estavam em plena tour. Algumas vezes eles mesmo ficaram legalmente incapacitados até de receber pagamentos! “Foi o fim da linha, bastante literalmente, mas nos recusamos a aceitar isso.” Diz Bruce.
Mas nem tudo estava totalmente perdido. O grupo recebeu a oferta de se apresentar no Reading Festival daquele ano como uma das atrações principais. Era uma chance de ouro e Bruce diz que “Nós agarramos a oportunidade com as duas mãos e esperamos pelo melhor. Foi a segunda vez que fizemos o Reading, e tudo deu muito certo, conseguimos críticas positivas e tudo mais. Existe até um disco ao vivo ( o ‘Live At Reading 81) daquele show e acho que soamos muito bem. Mas já naquele ponto a energia estava muito esquisita na banda. Paul (Samson) estava realmente numas de dar o fora e mergulhar mais e mais no seu projeto solo, você sabe, essa coisa de ZZ Top, que foi o que ele fez logo depois de eu sair. Ele tinha um novo empresário então que estava tentando conseguir um novo contrato com a A&M – chegamos mesmo a tirar fotos promocionais para a A&M. Mas naquela altura eu já tinha me decidido a sair.”
Talvez o que tenha feito apressar sua decisão fosse a presença de um certo empresário de outra banda muito grande que estava no Reading Festival. Bruce resume o que ocorreu: “Paul (Di’Anno) ainda estava na banda, mas acho que todos estavam cônscios de que havia um problema. E quando eu deixei o palco no festival naquele dia, todo mundo sabia que havia alguma coisa no ar. O mais engraçado é que havia aqueles rumores de que eu ia me juntar ao Rainbow. Eu recebi um telefonema esquisito no meio da noite de um roadie de Ritchie (Blackmore) ou alguém assim me perguntando: ‘Você está disponível?’ e eu respondi: ‘Claro que eu estou disponível, Ritchie é o meu guitarrista favorito!’ Mas não ouvi mais falar disto. A primeira coisa que eu ouvi do Maiden foi a de que Rod e Steve estavam rondando o backstage durante o Reading. Eu descobri que eles voaram do sul da França especialmente para ver o Samson. É claro que eu não sabia de nada do que estava ocorrendo nos bastidores, que o Rod ainda estava vacilando. Aparentemente o Steve dizia: ‘O cara tem uma grande voz’ ou algo assim e Rod respondia: ‘Eu não me importo com que tipo de voz ele tenha, ele está no Samson e eles nos foderam!’ Mas aí o Rod veio e teve uma conversa comigo. “Agora, no Reading tinha aquele quadrangular de tendas vendendo cerveja e outras coisas, sabe, e bem no meio disso tem um grande poste com armações e holofotes em cima. Nós éramos as únicas duas pessoas em pé nesse quadrângulo , debaixo dos holofotes, com todo mundo que estava no Reading festival olhando para nós, e eu estava olhando para o Rod e ele: ‘Você quer mesmo fazer isso aqui?’ Mas Rod estava meio desligado, você sabe. Não foi bem uma proposta. Nada como ‘Queremos que você seja o cantor’, foi mais como ‘Nós queremos lhe oferecer a chance de um teste’. E eu respondi: ‘Oh, tudo bem.’ Eu me lembro de estar muito auto confiante naquele dia, então e dizia: ‘Mas quando eu o fizer, eu vou ficar com o emprego. Então vamos falar com o que vai acontecer quando eu estiver no emprego.’ E Rod respondeu: ‘Oh, oh... melhor você voltar para o hotel com a gente.’”

Steve Harris: “Eu nunca fui muito fã do Samson, mas eu sempre pensei que o cantor deles era bom. E porque estávamos tendo problemas com o Paul mais ou menos desde o princípio, eu suponho que eu sempre mantive um olho aberto para cantores. Eu apenas tinha uma vaga impressão de que Paul nos deixaria na mão um dia e então teríamos que arranjar outra pessoa. Então eu vi o Samson umas duas vezes e pensei: ‘Yeah, o cara tem uma voz muito boa e ele sabe como segurar o público.’ Eu achei que ele soava um pouco como Ian Gillan, realmente. Então quando a merda realmente atingiu o ventilador no caso do Paul, ele foi uma das primeiras pessoas em quem pensei. Rod não gostou muito da idéia, ele nunca perdoou o Samson por ter-nos atrapalhado na época. Mas eu não me importava, eu só pensava que o cara tinha uma grande voz. Então eu disse: ‘Foda-se com isso, eu o quero!’ Assim nós demos um jeito de ir ao Reading para dar uma olhada e ver se ele estava interessado.”
Bruce foi fazer sua audição para a banda em Hackney, no dia seguinte. Ele conta suas impressões: “Assim que eu entrei eu sabia que era uma coisa completamente diferente de tudo que conhecia até então. Eles tinham roadies de verdade, um sistema profissional de monitores, tinham carros para transporte, eles tinham tudo. Eu pensei ‘Certo, não vai ter gente puxando fumo no fundo do ônibus então.’ Só que depois descobri que tinha bastante. Mas, quero dizer, não era do mesmo tipo de clima que tinha no Samson ou qualquer outra banda que eu tenha estado. Eu fiquei numas de ‘Ok, bem, esses agora são os caras grandes com quem você está tocando, então você tem que aprender a jogar pelas regras dos caras grandes .’ E isso estava bom para mim. Eu já tinha me encontrado com o Steve umas duas vezes. E tinha conversado um pouco com ele mas nada que tenha feito muito impacto comigo. Eu não pensava que ele era o messias que muitos faziam idéia dele, nem o ogro que outros diziam que ele era. Eu o via como um cara que tinha uma boa personalidade. Ele era muito amigável, sabe? Mas aquela coisa toda que envolvia o Iron Maiden, aquele clima intenso, quase de auto importância, eu o achava intimidador, tenho que admitir. Eu pensei: ‘Isso é realmente necessário?’ Mas eu acho que sim, porque você cria aquele clima em volta de você o que é realmente importante. Ele atrai as pessoas como um ímã para você. Fãs e patrocinadores do showbiz. Você consegue respeito porque você o exige. E era isso que eles tinham.
“Então eu comecei a cantar e nós tocamos ‘Prowler’, ‘Sanctuary’, ‘Running Free’ e ‘Remember Tomorrow ‘. Aí passamos para ‘Murders In the Rue Morgue’ e outras mais, mas eu acho que nós já sabíamos desde aí. Todo mundo sacou imediatamente, sério. E aí já queriam me por num estúdio logo depois, para saber como eu soaria num estúdio, e Steve telefonou para o Rod e disse: ‘Quando teremos que ir para a Escandinávia? Podemos ter um tempo no estúdio esta tarde?’ Então virou para mim e disse ‘O que você acha disso?’ Eu respondi ‘Fuck it, vamos lá colega, o que você quiser, vamos agora se você quiser.’ Então fomos ao estúdio e eu entrei e cantei em quatro faixas e aí teve uma espécie de conferência (entre eles) e eu pude ver o Rod num canto falando; ‘Vocês tem certeza?’ Vocês tem certeza?’ e todos os outros estavam basicamente dizendo: ‘Oh, cale a boca’, você sabe, e isso foi tudo. Saímos todos e ficamos estupidamente bêbados e eu estava no Iron Maiden!”
Os boatos sobre a saída iminente de Paul voavam na imprensa, principalmente na revista Sounds, que era a mais importante na área hard/heavy daquele tempo. O grupo muito sabiamente resolveu então não dar tempo para que os fãs ficassem debatendo demais sobre essa catástrofe. Nem deram muitas explicações tampouco.
Steve Harris: “Nós sempre dizemos que foram ‘diferenças musicais’ sempre que alguém sai. Mas é mais para a proteção deles do que nossa. Já é o bastante que eles não estejam mais na banda, não precisa ficar insistindo nesse assunto, sabe?”
Assim sendo trataram de apresentar o novo vocalista logo, anunciando uma apresentação no Rainbow, no dia 15 de novembro daquele ano. Claro que resolveram antes testar a reação da platéia em terras estrangeiras, fazendo cinco shows na Itália (mais exatamente Bolonha, Roma, Florença, Udine e Milão). Como sabemos, os shows foram um grande sucesso, casa lotada e fãs enlouquecendo, como sempre. Ninguém parecia ter notado qualquer mudança e o próprio Bruce se surpreendeu com a facilidade com que se sentiu à vontade com sua nova banda. “Eu me senti em casa desde o princípio. A coisa toda me pareceu uma família em que eu de repente tinha me tornado parte.” O resto da banda também ficou muito contente em ver que, se Paul era uma incógnita sobre de como seria sua performance, Bruce sempre daria o melhor de si noite após noite, sem exceção.
Adrian Smith sobre a primeira apresentação de Bruce: ‘Se ele estava nervoso, ele não demonstrou. Ele simplesmente entrou no palco e cantou como se estivesse na banda desde o começo.”
Mas encarar o primeiro show na Inglaterra não seria tarefa tão fácil assim, como o próprio Bruce admite: “Eu não estava preocupado em fazer bem o meu trabalho, eu senti que já tinha provado bem isso na Itália. Era mais a questão de saber se os fãs realmente iriam me aceitar. Não era minha culpa que Paul não estivesse mais na banda, mas era inevitável que qualquer ressentimento que pudesse haver no platéia ele quase que certamente seria dirigido para mim.”
Apesar de alguns estraga-prazeres terem gritado o nome de Paul aqui e ali no show, a estréia de Bruce foi um sucesso sem precedentes. Sua performance atlética, correndo de um lado para o outro do placo, subindo nos stands das luzes e nunca parando de se mexer, era muito diferente da de Paul (que sempre ficou mais parado quando não estava cantando). Steve, que até então era o que mais agitava ao vivo, tinha encontrado um competidor à altura. E não ficou triste com isso. Sempre sonhara com um frontman que fosse mais do que um cantor. A banda saiu do Rainbow com a certeza de que seu futuro estava garantido.
Dave Murray: “Ele realmente sabia como segurar a platéia. E ele dava tudo nisso de um jeito que Paul nunca conseguiu. Paul era grande quando estava cantando, mas ficava um pouco perdido no palco, talvez , o resto do tempo. Bruce não parava de se mover por todo lado e dar tudo de si, cantando ou não.”
Malcom Dome, que trabalhou com o Maiden muitos anos, coloca o seu ponto de vista: “A maioria das pessoas achava que Paul Di’Anno era um grande frontman e quando ele foi despedido, eles acharam que a banda estava agora num buraco. Então Bruce apareceu e tudo mudou. Ele era a perfeita peça que faltava no quebra-cabeças para torná-los uma gigantesca banda internacional. Se Paul tivesse ficado e Bruce não aparecesse, eu acho que eles teriam lutado muito mais para conseguir ir além de meados dos anos 80. Eles precisavam de algo mais e Bruce era esse algo mais. Mas você tem que dar crédito ao Steve e ao Rod por terem percebido isso, e terem feito a escolha certa na hora certa. Teria sido fácil foder com tudo, como a maioria das bandas da NWOBHM fez de um jeito ou de outro. Mas não o Maiden. Eles ficaram firmes até conseguir fazer a coisa direito, e a partir daí nada podia para-los.”
Bruce Dickinson: “Eu não tinha nada planejado sobre o que eu iria fazer uma vez que estivesse no palco com eles. Eu apenas deixei as coisas acontecerem bem espontaneamente. A única coisa de que tinha certeza era a de que eu não ia ser um clone do Paul Di’Anno – não nos vocais, não visualmente ou de qualquer outro modo. A primeira vez que falei com Rod a respeito do trabalho, em Reading, eu disse: ‘Olha, eu não sei qual é a sua perspectiva do que eu deva fazer, mas eu tenho umas idéias bem claras sobre o que eu não devo fazer, e o que eu não devo fazer são as coisas que o cara antes de mim estava fazendo.’ eu disse: ‘Se você quiser que eu faça isso então é melhor arranjar outra pessoa agora, porque não vai nem valer a pena falar sobre isso.’ Aquelas coisas do tipo cockney que Paul fazia apenas não eram a minha. Eu nem achava que elas eram particularmente interessantes. Legal quando eles tocavam na Inglaterra, talvez, que era o lugar onde as pessoas podiam entender o que era tudo isso. Mas uma perda de tempo no resto do mundo. Eu só pensava que a banda era maior do que isso.”
Adrian Smith: “Bruce era um daqueles poucos caras que realmente poderiam fazer o trabalho, sério. Ele tinha o alcance vocal e a experiência – tanto quanto a gente saiba ele era um talento garantido que definitivamente podia dar conta do serviço. Mas nós não podíamos saber com certeza até que fizemos aquelas primeiras apresentações com ele na Itália e no Rainbow, que foram feitas para todos nós nos entrosarmos antes de irmos para o estúdio. Essa foi a prova final para vermos que tínhamos feito a escolha certa. Vocalmente ele se encaixou com perfeição. Mas em termos de personalidade ele era completamente diferente de Paul. Ele não era tanto como um companheiro de bairro, era mais cosmopolita, se você entende o que eu quero dizer. Meio que, em qualquer país que estivéssemos tocando, Bruce sempre tentava falar com a platéia em sua própria língua, mesmo que fosse só um pouquinho, só para saberem que ele estava tentando se esforçar, e o povo adorava isso. Isso fez uma diferença para o ‘Awright! ‘ow are ya!’ que era quase sempre a maneira de Paul se apresentar. Depois disso, ir fazer um disco não era uma coisa que nos preocupava muito. De fato, isso nos fez ficar mais ansiosos para ir lá e mostrar o que podíamos fazer agora.”
Martin Birch, o produtor: “Apesar dele ser excelente nos discos que gravou com eles e que era ideal para a época, eu sempre pude ver que o Maiden estava indo para além daquilo que Paul estava capacitado para fazer. A partir deste ponto de vista, eu simplesmente não conseguia vê-lo tendo capacidade de cantar os vocais de algumas partes bastante complicadas das direções que Steve estava querendo explorar. A voz de Bruce era uma que eu podia trabalhar com muito mais facilidade. Ele tinha um alcance muito maior e podia levar os tons até um ponto que Paul não poderia de jeito nenhum. Então quando o Bruce entrou isso abriu as possibilidades para o novo disco de forma tremenda. Paul apenas não poderia fazer as coisas do jeito que Bruce fez e foi por esta razão que ‘The Number Of The Beast’ se tornou um marco histórico para o Iron Maiden, tanto quanto eu possa afirmar. Foi o disco que percebi que eles seriam tudo aquilo que eu esperava que fossem.”

E isso era só o começo...

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