Rock in Rio 2013: O rock venceu, como sempre vence no final

Por Marcelo Moreira para o Estadão.com

Foram várias as tentativas de soterrar o autoproclamado maior festival do mundo com toda a sorte de porcaria sonoras e poluição musical. Só que, como sempre, o rock venceu, como sempre vence em todas as circunstâncias. Como previsto, o Rock in Rio 2013 começou mesmo no dia 19 de setembro. O “aquecimento” da semana anterior, com suas vergonhosas atrações, apenas mostrou a sucessão de equívocos cometida deliberadamente pelos produtores do evento. O rock destruiu qualquer possibilidade de o pop triunfar em um dos maiores patrimônios musicais brasileiros, apesar da oposição que parte de dentro do próprio festival

Se o Guns ‘N Roses decadente e patético serviu como epitáfio de uma edição de 2011 em que pouco se salvou, o Iron Maiden veio para redimir os tropeços anteriores e coroar o evento de 2013 com todas as honras e pompa. Grandioso, épico e grandiloquente, o sexteto britânico mostrou que o rock é a alma do negócio, com muito peso, profissionalismo extremo e qualidade altíssima mesmo após 35 anos de carreira.

A banda se sentiu em casa ao fechar o festival, mesmo no ingrato horário da madrugada de segunda-feira. Mesmo com o peso da idade de seus integrantes e com a maratona de shows da turnê Maiden England 2013 cobrando o seu preço, o Iron Maiden ainda tem de sobra o que a maioria dos concorrentes busca após décadas de estrada: entrosamento perfeito, espontaneidade em um ambiente de extremo profissionalismo e prazer em tocar sob qualquer circunstância. É um grupo que consegue tirar proveito de eventuais erros e problemas técnicos, conseguindo reverter em carisma, talento e inteligência. São poucos os artistas que podem se dar ao luxo de possuir tais requisitos, e por isso fecharam de forma magistral o evento de 2013.

O Metallica ousou rivalizar com o sexteto inglês e se saiu bem. Tocando cada vez melhor, o quarteto norte-americano tomou gosto pelo Rock in Rio e neste ano conseguiu o feito de superar a excelente performance de dois anos atrás. Em grande forma e esbanjando categoria, demoliu qualquer resquício das popices da semana anterior e estremeceu a Cidade do Rock de forma tão competente que só mesmo um Iron Maiden poderia se equiparar em termos de qualidade, peso e violência sonora. O Rock in Rio é um festival feito sob medida para os gigantes, não é lugar para amadores ou estrelas de brilho temporário.

Bruce Springsteen entendeu isso claramente e mostrou estar à altura para competir com os gigantes. Uma pequena amostra foi dada alguns dias antes, em um magistral show no Espaço das Américas, em São Paulo. Três horas de puro rock básico, com energia e pegada, espantando a todos com sua vitalidade e com o domínio pleno do palco e do ambiente.

No Rio, o “chefão” entrou com a faca nos dentes, que nem o sorriso permanente conseguiu esconder. Com tempo mais reduzido, acumulou tamanha energia e vibração que arrancou elogios até mesmo dos mais céticos, os metaleiros, que se renderam ao talento e à qualidade do guitarrista e vocalista. Memorável foi o adjetivo que mais se ouviu para a apresentação de Springsteen.

Quem não decepciona nunca também é o Slayer. A locomotiva thrash aparentemente parecia combalida com a morte do guitarrista Jeff Hanneman no primeiro semestre e a saída do baterista monstro Dave Lombardo. Mas foi só o barulho ensurdecedor das guitarras de Kerry King e Gary Holt (do maravilhoso Exodus, substituto de Hanneman) explodirem nos alto-falantes para que toda a desgraceira da música extrema caísse na cabeça dos servos adoradores do metal. Uma apresentação insana, barulhenta e precisa, com um desfile de clássicos.



O ensandecido Bruce Dickinson, do Iron Maiden, na madrugada de hoje no Rock in Rio

Na bateria, outro monstro, Paul Bostaph, ex-Testament, e que já havia substituído o mesmo Lombardo entre 1992 e 2001. Não tinha como dar errado. A lamentar apenas o pouco tempo, uma hora apenas, e o erro de escalar a banda antes do esforçado Avenged Sevenfold, que até pode ser bastante popular hoje em dia, mas jamais poderia tocar depois do Slayer.

Os aspirantes também se deram bem na segunda semana do grande festival. O próprio Avenged Sevenfold fez uma apresentação honesta e competente, apesar da resistência dos tradicionalistas e das desconfianças geradas pela fraca apresentação no SWU realizado dois anos atrás. Seguro e preciso, o grupo se esforçou bastante para entreter um público ávido pelo Iron Maiden. Não comprometeu e até saiu ileso, mesmo não apresentando novidades.

O Alice in Chains vai continuar eternamente lutando contra a sobra do falecido ex-vocalista Layne Staley. Com álbum novo nas lojas e um vocalista/guitarrista competente – William DuVall -, mostrou personalidade em sua encarnação mais recente e não se preocupou muito em agradar. Suas músicas foram um pouco arrastadas, agitaram pouco o público, que só prestou a atenção mesmo nos clássicos da era grunge. Entretanto, mesmo com a aparente pouca animação, mostrou qualidades, ainda que não muito evidentes em um festival de porte como o Rock in Rio. Provavelmente vai funcionar muito melhor em São Paulo, no Espaço das Américas.

O Ghost BC chegou com muito cartaz, mas também cercado de desconfianças. As expectativas de desastre não se concretizaram, mas os suecos não foram além de um heavy metal oitentista pouco inventivo e retrô. São mais interessantes ao vivo do que em estúdio, mas ficou a impressão de que são muito menos do que acham que são e do que parte da imprensa musical quer fazer crer que são. Não basta abusar do marketing das fantasias religiosas e de ocultar os nomes verdadeiros dos integrantes, é preciso ter bala na agulha para fugir da mesmice, ainda mais no dia do Metallica. Não comprometeram, mas também não deixarão saudades.

Chance de ouro

Rob Zombie e John Mayer foram duas atrações importantes, e souberam aproveitar muito bem as oportunidades que tiveram. O rock pesado de Zombie, não muito conhecido por aqui, pegou desprevenidos muitos espectadores e foi bem recebido. Tocou com criatividade e tratou der rechear sua apresentação com músicas rápidas e energéticas.

Os alemães do Helloween, com o convidado Kai Hansen (o fundador da banda), talvez um pouco intimidados pelo gigantismo do evento, se limitaram a fazer um show burocrático, ainda que energético, mas conseguiram agradar. Os também alemães do Kreator tiveram melhor sorte, sendo bem recebidos por uma plateia mais receptiva e sedenta por mais peso e velocidade.

Já o blueseiro pop John Mayer superou as alfinetadas de que é mais um galã do que um músico e se apresentou com competência. Ainda está buscando uma zona mais confortável para a sua voz – sofreu uma cirurgia tempos atrás nas cordas vocais e quase teve de parar de cantar -, o que alterou o modo como se posiciona no palco e até mesmo sua forma de tocar guitarra. Como ninguém esperava um novo Stevie Ray Vaughan, apesar do esforço do marketing para transformá-lo em um guitar hero (não é), agradou sem fazer muita força, embora não tenha deixado grande marca na história do festival.

Ben Harper foi um dos grandes vencedores. Ao lado da lenda Charlie Musselwhite, precioso gaitista e bluesman, fez uma apresentação sem concessões e defendeu com honras o blues. O vigor e a dedicação em sua apresentação foram notáveis e percebidos por todos. Mais do que vibrar, quem assistiu prestou muita atenção na execução exímia dos temas. Para o público do Rock in Rio, a dupla saiu do palco muito maior do que entrou.

No bloco dos festeiros, o combo maluco Gogol Bordello agradou com sua bagunça punk com pitadas de música étnica do Leste Europeu, do Caribe e de música brasileira – trechos de forró ali, de um sambinha ali… Os espectadores gostaram da animação e até relevaram a presença do pernambucano Lenine, um pouco deslocado como convidado.

O Living Colour, a melhor coisa da primeira semana do festival, também se beneficiou de um clima festeiro em sua apresentação, e foi muito bem. Muse e Offspring também tiveram bons momentos, mas infelizmente foram soterrados pelos gigantes da segunda semana. Não há como negar: foram muito prejudicados ao serem escalados ao lado de ivetes, beyoncés e timberlakes da vida…

Problemas, micos e desfalques

Os micos do festival, na parte internacional, não foram muitos. Sebastian Bach foi mal, embora prejudicado por problemas técnicos. Fez uma apresentação bem abaixo da média. O Bon Jovi, com sua demagogia romântica e altíssimas doses de sacarose, afundou na breguice. O grupo perde em pegada e em qualidade sem o guitarrista Richie Sambora, há quase um ano afastado oficialmente para se reabilitar (mais uma vez) por conta de problemas com álcool e drogas. Não se sabe se voltará à banda.

De última hora, o baterista Tico Torres não pôde tocar, ainda em decorrência das sequelas de uma cirurgia na vesícula realizada um mês antes. Desfalques demais em tão pouco tempo afetaram a apresentação – afetariam qualquer apresentação de qualquer banda. Portanto, é até compreensível que Jon Bon Jovi e David Bryan (tecladista) tenham optado por uma lista de músicas conservadora, mais segura. Pena que a breguice imperou – houve açúcar demais, e guitarras de menos…

Capital Inicial e Detonautas se perderam nos discursos políticos patéticos em meio a apresentações mornas. Os tributos a Raul Seixas e Cazuza pecaram bastante na qualidade do que foi executado, tudo com ares de musical de baixa categoria, em alguns momentos maculando o legado dos dois artistas. Nickelbeck, Matchbox 20 e 30 Seconds to Mars foram de longe os mais fracos da parte internacional, chegando até mesmo a ser indignos de tocar no Rock in Rio.

O show da vida

Em relação aos brasileiros, as bandas de rock pesado saíram ganhando, e muito. O maior vencedor foi o quinteto paulista Kiara Rocks, que abriu o palco Mundo no último dia, o dia do metal e do Iron Maiden. O hard’n'heavy do grupo se tornou um heavy metal aceitável no palco do Rock in Rio, com guitarras mais pesadas do que o normal e uma performance agressiva do vocalista Cadu Pellegrini. Eles esperavam ser massacrados pelos mais radicais dos metaleiros, como o Glória em 2011, mas acabaram bem recebidos e aplaudidos. E foram bastante espertos ao convidar, de surpresa, Paul Di’Anno, ex-vocalista do Iron Maiden para cantar Ramones e uma antiga da Donzela de Ferro, a mítica “Wrathchild”. Talvez o festival tivesse sido grande demais para a banda, que mostrou alguns escorregões – empolgação demais, talvez? Ou será que os nervos os traíram? O fato é que passaram no teste, mesmo que longe de terem feito um show memorável.

Almah, Hibria, Andre Matos e Viper entraram no palco como se fossem fazer o último show de suas carreiras. Com muito pouco tempo para tocar, cada um despejou adrenalina pura e muito peso, e arrancaram aplausos e elogios pelo entusiasmo com que encararam o palco do Rock in Rio, assim como o Krisiun, que estreou no festival com uma avalanche sonora de caos e destruição, em uma apresentação memorável ao lado dos alemães do Destruction.

Dr. Sin e Republica também foram ovacionados e exaltados, tanto que entraram no palco na quinta-feira 19 de setembro com o jogo ganho.”Toco bateria há 30 anos, mas é indescritível o que senti minutos antes de entrar no palco. O público começou a gritar o nome da banda tão alto e com tamanha força que parecia que éramos a atração principal. Disseram que nunca houve tanto público no festival para aquele palco e para aquele horário, que batemos o recorde. Imagine a responsabilidade para tocar, e tente imaginar o tamanho da vontade de subir e detonar”, disse Ivan Busic, baterista do Dr. Sin, na ExpoMusic, em São Paulo, no dia seguinte, ainda cansado da maratona carioca e do show ótimo que sua banda fez.

O mais assíduo artista brasileiro no Rock in Rio, o Sepultura, realizou duas apresentações. Na primeira, no dia 19, recebeu o grupo francês de percussão Tambours du Bronx, repetindo a parceria de 2011, e agradou bastante, embora com um repertório adaptado aos convidados. Agradou bastante, até pelo encontro inusitado.

No segundo, ontem, conseguiu encaixar um repertório mais “normal”, fazendo um verdadeiro show do Sepultura, com um peso descomunal e uma garra impressionante. O show, no entanto, desandou quando o convidado Zé Ramalho entrou no palco, em uma parceria inusitada e por demais estranha. O Zépultura, como brincou o guitarrista Andreas Kisser, não funcionou, apesar das reverências mútuas, assim como a admiração. Dois mundos se colidiram ali, em vez de se completarem. Houve quem aplaudisse a ousadia, e houve quem torcesse o nariz. O fato é que Zé Ramalho estava deslocado, no lugar errado, por mais que houvesse um esforço enorme da banda para deixá-lo à vontade.

Skank, Jota Quest e Frejat, por sua vez, decidiram não inventar. Apostaram em sucessos e nas músicas mais agitadas e conseguiram bom impacto, com resultados bons e muitos aplausos. Nando Reis também foi bem, embora mais audacioso ao fazer pouquíssimas concessões. Colocando sua integridade artística à prova, colheu bons frutos e também foi bastante aplaudido, assim como Autoramas e seu convidado, B Negão.

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