Fãs de Heavy Metal: Old School X New School

"A concepção de admirar um novo lançamento como obra completa, incluindo a parte gráfica, é totalmente obsoleta aos olhos de muitos.”

por Felipe Godoy para o Wikimetal

Muito tem sido discutido a respeito da nova geração de fãs de Heavy Metal e de como boa parte do pessoal das antigas torce o nariz para o comportamento da mesma em certos aspectos. A questão é: até que ponto essa sensação encontra respaldo na realidade e não apenas em noções pré-concebidas?

Tenho 33 anos e frequento a Galeria do Rock desde os 4, quando dava meus passeios por lá com meu irmão mais velho antes de nossas idas à velha Woodstock Discos nas manhãs de sábado, como todo bom headbanger costumava fazer nos anos 80. E desde então, mais do que um segundo lar, aquele lugar acabou se tornando uma ótima fonte de pesquisas de campo para entender a cabeça dessa molecada que está começando a abraçar o estilo. Isso sem contar a Internet, que diariamente estabelece novos parâmetros de comportamento e acaba servindo como uma verdadeira vitrine para diversas linhas de raciocínio diferentes.

Semanas atrás estava eu parado em frente a uma das lojas de discos que frequento na galeria quando dois jovens se aproximaram da vitrine e começaram a discutir os CDs do Iron Maiden que estavam expostos. Um deles comentou que tinha a discografia inteira da banda, que ele havia baixado da Internet. “E desde quando baixar significa ter?”, pensei com meus velhos botões. Imediatamente comecei a me lembrar de quando tinha a idade deles, não tinha condições de comprar alguns LPs importados que queria e precisava me virar com fitas cassete. Naquela época um cara me perguntou se eu tinha os discos do Mercyful Fate (ainda inéditos no Brasil até então). Eu respondi que sim… Em cassete. No que o tal cara – mais velho – me respondeu: “E desde quando ter uma gravação em fita cassete é o mesmo que ter o disco?”.

Será que depois de mais velho eu estava começando a fazer o mesmo papel de “Algoz do Deus Metal” que haviam feito comigo anos antes? Continuei a escutar o papo. Um deles continuou: “Pois é… Também havia baixado pouco tempo atrás, mas precisava de mais espaço no HD e deletei. Depois pego de novo.” Foi quanto minha ficha realmente caiu.



Os discos eram passados de mão em mão, bandas promovidas no boca a boca ou através das providenciais fitas cassete.”

Um dos fatores que mais causam repulsa na galera das antigas talvez seja a incapacidade de grande parte do pessoal mais novo de dar valor às coisas e a tendência a propagar o “achismo” como verdade absoluta. Graças à internet, tudo se tornou extremamente fácil. Se um disco sai hoje na Europa, em meia hora alguém consegue baixar sem maiores problemas assim que o mesmo cai na rede. Quando um videoclipe estréia, é possível assistir o mesmo na hora em que bem entendermos, repetidamente. Caso uma notícia seja veiculada, torna-se muito fácil checar a veracidade dos fatos quase imediatamente. Uma banda inicia sua nova tour hoje à noite nos cafundós do Judas? Sem problemas. Até o fim da noite você saberá não apenas o set list do show como também verá os vídeos feitos por um fã no YouTube.

Antigamente a coisa era bem diferente. Discos eram lançados no Brasil com atraso de meses ou até mesmo anos em relação ao resto do mundo. Não havia YouTube e a gente precisava cruzar os dedos para, quem sabe, assistir o videoclipe que tanto queríamos nos poucos programas musicais televisivos da época que davam espaço ao Heavy Metal. Sorte dos poucos que possuiam videocassetes e podiam gravar aquelas imagens cheias de fantasmas em suas fitas VHS top de linha.

Os discos eram passados de mão em mão, bandas promovidas no boca a boca ou através das providenciais fitas cassete. Gafes históricas eram cometidas pelas revistas especializadas da época, que eventualmente chegavam ao ponto de inventar entrevistas. Quem acompanhava a extinta revista Metal nos anos 80 e não se lembra do alarde que foi feito quando Dio anunciou uma prodigiosa guitarrista “feminina” para sua nova banda solo e que atendia pelo nome de Vivian Campbell? Ou do ranking com os melhores solos do guitarrista Ace Frehley do KISS, incluindo os das faixas “A World Without Heroes”, “I Still Love You” e “Larger Than Life”, sendo que NENHUM dos três foram tocados por ele?

Em meio a todo esse desencontro de informações e dificuldades diversas, os fãs davam valor extremo ao pouco que tinham. Ter um LP novo na coleção já era um feito e tanto, imagine então se fosse um bootleg (ou disco pirata, como chamávamos na época)? Cansei de contar quantas pessoas saíram de suas casas e percorreram grandes distâncias a pé apenas por que a revista X ou Y havia publicado uma minúscula foto do KISS na nova fase sem máscaras ou porque o Valcir havia afixado em uma das paredes da Woodstock Discos uma xerox A4 preto e branca do que viria ser a capa do Seventh Son Of A Seventh Son do Iron Maiden. Havia a sede de viver, sentir e conhecer mais a respeito da cena. Separar o joio do trigo, o fato das lorotas, o seu ponto de vista do meu.



É cada vez maior o número de fãs que nem sequer sabe o nome da faixa que está escutando ou de que disco ela vem.”

Voltamos aos dias de hoje. A molecada está absolutamente imersa em informação e tem acesso a praticamente tudo. Tudo fácil, ao alcance dos dedos. E, ainda assim, nunca as coisas foram tão superficiais. Todo mundo tem uma opinião, mas poucos parecem saber a razão da mesma. Alguns poucos abnegados da nova geração ainda compram discos, mas é cada vez maior o número de fãs que nem sequer sabe o nome da faixa que está escutando ou de que disco ela vem. O celular apenas indica “Faixa 12″ ou “Faixa 5″. A concepção de admirar um novo lançamento como obra completa, incluindo a parte gráfica, é totalmente obsoleta aos olhos de muitos. Não gostou, não deu tempo de ouvir, não sobra mais espaço no HD? Deleta. Depois a gente pega de novo, sem problema. Gastar para comprar um CD? Jamais.

Fora as muitas verdades absolutas que dão as caras. Se fulano acha que Black Sabbath só vale com o Ozzy e nem sabe quem foram Dio, Gillan, Hughes, Gillen ou Martin a coisa tem menos a ver com gosto musical e mais com ser aquilo que a TV ou alguém na Internet disse que era o certo. Se alguém opina que o novo lançamento do Iron Maiden deixa a desejar é massacre virtual na certa, afinal já me disseram que algumas bandas são absolutamente incapazes de errar e eu acredito. Não há razão para conferir por si mesmo se tanta gente pensa igual, certo? As bandas que eu conheço porque chegaram até mim são as melhores e me contento com elas.

Ponto em questão: a tecnologia é absolutamente linda e não sinto falta alguma da dificuldade dos velhos tempos. Também penso que sempre há exceções para tudo e muito do que foi dito acima pode nem mesmo se aplicar em nenhum sentido a quem está lendo, sobretudo ao pessoal mais novo. Generalizar nunca é legal. Mas parece que cada vez mais vivemos a época do “achismo”, conectado à mentalidade de grande parte de uma geração que teve tudo de mão beijada, tão facilmente que em grande parte desistiu de pensar por si mesma e ir atrás do que estava “além”. Uma turma que esqueceu que dar valor ao que gosta e conhecer aquilo mais a fundo está muito além do que a mídia traz até nós, e tem mais a ver com nossa própria sede de saber mais.

O que o futuro reserva ao Heavy Metal e seu mundo? A meu ver, algo como a cultura do vinho. Muitos se contentam com o mais barato que lhes mata a sede, poucos preferem degustar o líquido com calma e estudar as sutilezas contidas em seu paladar e história.

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