[ DENNIS STRATTON ] - Em São Paulo 03/12/23

 Por Luiz Tosi

Fotos: Dani Moreira

Quando foi anunciado que o guitarrista Dennis Stratton viria ao Brasil para uma série de shows, até que pareceu uma boa ideia. Afinal, poucos fãs são tão devotos de uma banda como os do Iron Maiden. Stratton ficou conhecido por ter integrado o Maiden entre 1979 e 1980, ano em que gravou o cultuado autointitulado disco de estreia da banda, considerado um dos marcos fundamentais da New Wave of British Heavy Metal. Bom, apenas pareceu uma boa ideia. Os indícios de que algo não estava certo começaram com os cancelamentos dos shows de Porto Alegre (30/11) e Rio de Janeiro (10/12) devido às baixas vendas de ingressos, seguidos por duas alterações de local do show de São Paulo (01/12): do VIP Station (capacidade: 4 mil) para o Manifesto Bar (Capacidade: 700); do Manifesto para o Teatro Mars (Capacidade: 600).

O evento foi divulgado para às 16hs, com abertura dos paulistanos do Living Metal, porém os tais indícios aumentaram quando já se passava das 18h e umas três dezenas de fãs aguardavam na porta – ainda sem entrada liberada. Quem deixou para comprar ingresso na hora não achava bilheteria aberta e quem estava na lista de convidados ou de imprensa não sabia para onde ir. Um rapaz que disse “apenas trabalhar na casa” informou que não havia ninguém da produção no local, não soube dizer sobre bilheteria ou listas e complementou que até a noite da véspera a informação era de que o show não ocorreria. Por volta de 19h30, o acesso foi liberado e todos entraram. Literalmente todos: quem tinha ingresso não precisou apresentá-lo; quem não tinha apenas passou batido. Não havia triagem, segurança ou catracas. Bastava entrar, como se estivéssemos num show gratuito do SESC. O teatro estava com as luzes gerais acesas e nem de longe lembrava um dia de evento. O palco era pequeno e precário, com alguns amplificadores ainda mais precários e nenhuma produção ou iluminação. A conversa lá dentro era de que até o fim da tarde ainda estavam correndo atrás de amplificadores emprestados para o show acontecer. A essa altura, os indícios já tinham virado certeza: algo não estava certo.

banda que acompanha Stratton era composta por Leandro Caçoilo (Viper/Caravellus) no vocal, Piggy (Blood Brothers Project) na bateria, Ricardo Lima (Tosco, Scars e Tailgunners) e Lely Murray nas guitarras e Lennon Harris no baixo — anteriormente, os dois últimos excursionaram com Paul Di’Anno e Blaze Bayley, ambos ex-vocalistas do Maiden. Ainda com o público meio perdido, Dennis Stratton (com cara de poucos amigos) e banda (sem Caiçolo) sobem ao palco e iniciam Prowler com o guitarrista nos vocais. Alguns começaram a agitar com o que parecia um começo de show bem estranho e, de fato, tudo estava estranho mesmo. Ao fim da música, descobrimos que na verdade os músicos estavam passando o som. Passando o som e lavando algumas roupas sujas em público. Dennis pagou alguns esporros, reclamou (COM RAZÃO) do (péssimo) som e da (péssima) estrutura, demonstrando estar claramente irritado com tudo o que estava acontecendo. A frustração na cara dos músicos era justa e latente. O guitarrista britânico deixou o palco balançando a cabeça negativamente. Foi um momento bem constrangedor, para se dizer o mínimo. Faltando alguns minutos para o show, ainda havia tempo para mais uma presepada pública: num momento digno de documentário do Anvil (Anvil! The Story of Anvil – 2008), um membro do Living Metal, revoltado por ter seu show cancelado sem nenhum aviso por falta de equipamentos e de estrutura, precisou ser contido ao tentar partir para cima do produtor do show. Lamentável, um completo desrespeito à banda, que estava desde cedo no local. Se o release do evento dizia que seria um “um show memorável que vai levar o fã diretamente para 1980”, a promessa foi cumprida com louvor: fomos todos transportados para 1980!

Às 20h30, a banda subiu ao palco ainda sem Stratton. Caçoilo deu boas-vindas ao público (algo entre 60 e 80 pessoas, arrisco dizer) para uma celebração aos “Early Days” da Donzela, começando com um set de cinco raridades da primeira fase da banda, sendo três do álbum “Killers” (de 1981, esse já sem Dennis no line up): Purgatory, Innocent Exile e Another life; intercaladas por dois covers da mesma época: I’ve Got The Fire (Montrose) e Women in Uniform (Skyhooks). A performance, irretocável e com destaques para o próprio Caçoilo e para Piggy, que reproduziu as partes de Clive Burr com maestria, foi interrompida por outro momento constrangedor, quando o amplificador de baixo deixou de funcionar, forçando a banda a se desculpar pelos “problemas técnicos”. O profissionalismo da banda com a falta de condições foi digno de aplausos.

Terminada a sequência de raridades, a estrela da noite foi chamada ao palco. Dennis Stratton entra sorridente e simpático, demonstrando uma vontade legítima de melhorar o clima criado no ‘soundcheck’. O que se viu daí em diante foi um esforço conjunto e uma união incrível entre artista, banda e público, determinados a, conjuntamente, superarem todas as adversidades de uma noite de roubada generalizada.

Com os músicos amparados por um setlist vencedor, o Teatro Mars virou uma linda celebração ao legado do Iron Maiden, que nem todo o esforço do produtor conseguiu estragar. Não teve quem ficasse parado com a excelente interpretação do álbum ‘debut’ na íntegra (ainda que não na sua sequência original do tracklist) e mais um punhado de hits complementares e pertinentes. A banda conseguiu entregar Prowler, Wrathchild, Transylvania, Remember Tomorrow (dedicada a Clive Burr) e Killers sem grandes sustos. O som teve até uma leve melhora lá pela terceira música, propiciando notar como a palhetada de Dennis é firme, limpa e certeira.

Aí veio Sanctuary e a tensão retornou. Nitidamente irritado com mais problemas técnicos, Dennis balançava a cabeça e gesticulava muito, criando alguns momentos “agora ele arremessa a guitarra e sai andando”. Na lateral do palco, uma senhora, que imagino ser esposa e/ou empresária do guitarrista, aumentava a tensão. Claramente desorientada, a mulher chamava a atenção ao gesticular e caminhar em círculos desordenadamente, sem ação ao ver que seu artista estava furioso em cima do palco. Constrangedor.   

Tentando criar um clima “mais rock”, alguém da casa resolveu primeiro apagar para depois piscar as luzes, afinal até então tudo ocorria com as luzes frias do galpão acesas, como num ensaio. O “efeito” foi literalmente piscar as luzes rapidamente, como numa festinha infantil de salão de festas do prédio. Dennis soltou os cachorros no cidadão, exigindo que não repetisse isso e mantivesse as luzes acesas. Que noite alucinante, meus amigos!


Dennis fez um discurso quase inaudível devido a seu microfone de backing estar baixo, abafado e cheio de microfonias, mas deu para entender que sua primeira passagem pelo Brasil está sendo inesquecível. Isso não há como negar. Charlotte The Harlot foi anunciada como a única música que Dennis não tocava ao vivo e que foi ensaiada exclusivamente para a América do Sul. Phantom of the Opera voltou a animar, com o público pulando no melhor estilo “Ruskin Arms” – pub londrino datado de 1899 onde o Iron Maiden fez uma histórica apresentação em 1979. Só acho que o som de lá era melhor (já em 1899)!

  Quando veio Running Free, Dennis precisou pedir que o pequeno público se dividisse entre lado direito e lado esquerdo para o tradicional duelo de perguntas e respostas. A brincadeira durou umas quatro rodadas até que dois sujeitos decidiram sair na porrada no meio da pista. Como não havia seguranças no local e o único bombeiro da brigada de incêndio estava dentro do bar ajudando a servir cervejas (é sério, eu nem seria capaz de inventar uma bizarrice dessas), coube ao próprio público separar os dois meninos. O circo se encerrou com Drifter.

No fim, todos sobreviveram e alguns momentos chegaram a ser até engraçados de tão surreais. Mas ficam aqui meus sentimentos e apoio aos membros do Living Metal, aos fãs que compraram antecipadamente e não tiveram nem para quem entregar seus ingressos, enquanto qualquer um que passasse pela portaria entrava; e ao próprio Dennis, que merecia um gerenciamento e uma produção minimamente dignos. Fica também meus parabéns e reconhecimento aos músicos pelo profissionalismo, energia e entrega, pois não deixaram a peteca cair em nenhum minuto sequer. Importa ressaltar que Dennis Stratton e sua banda nada tiveram a ver com a organização do evento, que ficou a cargo da Mosh Productions.

Sabe aqueles shows que viram lendas e que até hoje muitos lembram em tom de brincadeira “você também estava naquela roubada”? Esse foi um deles. E que roubada…




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