RESENHA: Bruce Dickinson junto à Orquestra, proporcionaram a São Paulo uma verdadeira Noite de Gala


Por Murilo Araujo / Iron Maiden Brasil 

 

cidade de São Paulo é o lugar onde o rock and roll pulsa calorosamente, mexendo com o imaginário e nostalgia dos amantes desse gênero tão vibrante. Mas São Paulo também é o berço do eruditismo, do clássico e do tradicional, capaz de nos fazer navegar em nosso mais profundo sensorial. E na noite do último sábado (15), a cidade que é permeada pela arte foi contemplada com o resultado da união dessas duas expressões artísticas que são capazes de ditar nosso ritmo cardíaco, cada uma com sua particularidade. O rock e o erudito se complementam com tamanha afinidade que, quando juntos, potencializam algo que já é incrível por si só.

Vibra São Paulo foi o palco dessa união, que teve como principal atrativo o Homem, uma das vozes mais potentes, icônicas e únicas do heavy metal, o supracitado multifacetado Bruce Dickinson! Mas a lendária voz do Iron Maiden, apesar de ser o chamariz para o espetáculo, estava ali como parte de um magnífico projeto que tinha como intuito celebrar toda a genialidade singular de Jon Lord, o lendário tecladista e compositor que marcou uma era junto ao Deep Purple e Whitesnake.

Foto: Jeff Marques

O projeto “Concerto For Group and Orchestra”, originalmente um álbum ao vivo de 1969 do Deep Purple junto à Orquestra Filarmônica Real do Reino Unido (que consistia em um concerto composto por Jon Lord e com letra escrita por Ian Gillan), veio suportado por um time de peso. Além de Bruce, o tecladista John O’hara (Jethro Tull), a baixista Tanya O’Callagan (Whitesnake), o guitarrista Kaitner Z Doka (Ian Paice) e o baterista Bernard Welz (Don Ayre) completam essa grandiosa seleção. E conduzindo a talentosíssima Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), temos o maestro Paul Mann, responsável pela reconstrução da obra de Jon ao final dos anos 90, visto que o roteiro original havia sido perdido anteriormente.

A capital paulistana, com seu tempo chuvoso e frio, proporcionou o clima melancólico na medida certa para a noite que seria embalada pela trama clássica que todos os mais de 4 mil presentes na tradicional casa de shows presenciaram. Casacos, blazers, suéters, cardigans, jaquetas de couro e as tradicionais camisetas do Iron Maiden marcaram o outfit daquela Noite de Gala. Do clássico estilo rockeiro à elegância do social, todos estavam ali para degustar de uma experiência musical única. Não é todo dia que podemos contemplar uma verdadeira “ópera rock” interpretada pela voz da Maior Banda de Heavy Metal deste planeta, não é mesmo?!

No acender das luzes do palco, todos os responsáveis pelo espetáculo se postam em seus devidos lugares e Bruce surge, sob muitos aplausos da plateia, para fazer um breve comentário do que estaria por vir. Nosso vocalista introduziu os músicos da banda e orquestra que nos encantariam por aproximadamente duas horas. Além disso, destacou e contextualizou por sua perspectiva, cada ato presente no concerto (créditos a Igor Miranda pela transcrição):

  • O primeiro movimento, “Moderato – Allegro”, é como se “banda e orquestra não se gostassem e tentassem ficar se exibindo para mostrar que um é melhor do que o outro”;
  • O segundo movimento, “Andante”, é quando entram os vocais e é a “parte mais triste”;
  • O terceiro e último movimento, “Vivace – Presto”, é quando “banda e orquestra enfim percebem que podem fazer coisas legais em sintonia”.

Foto: Jeff Marques


Enfim começa o espetáculo, já com a ausência temporária de Bruce.

Aqui pudemos contemplar a verdadeira arte erudita, que executada com máxima competência e primor pela OSESP, nos emocionou. Todo o drama ali presente nos trazia a paz e plenitude, mas que no decorrer do ato, ganhava movimentação e agitação ao alternar (e propositalmente disputar) com a banda as escaladas musicais, proporcionando para os ouvintes uma sinergia sonora deliciosa. Kaitner Z Doka esbanjou talento e técnica com a guitarra, executando belíssimos solos que hipnotizaram. O primeiro movimento nos imergiu em um oceano de águas quentes e calmas.

O segundo movimento elevou o patamar da viagem que estávamos vivenciando. A sintonia entre banda e orquestra se fortificava, John O’Hara executava com maestria a genialidade de Jon Lord. E Bruce Dickinson, como a cereja do bolo, surgia para dar o toque especial com sua poderosa voz. O drama e a melancolia tomavam conta, uma tristeza gostosa de se ouvir. E deixo registrado aqui como é saborosa a experiência de escutar Bruce em uma proposta totalmente diferente da ferocidade guinada por Steve Harris à frente da feroz Donzela de Ferro! Bruce tal qual o maestro Paul Mann com a orquestra, conduziu silenciosamente a percepção do público e nos encantou.

No terceiro e último movimento, a banda e orquestra já estavam unidas, toda a densa leveza dramática da orquestra casada com o peso inquieto da banda, e aqui o talento da bateria de Bernard Welz e do contrabaixo de Tanya O’Callagan ganharam os holofotes. Uma cozinha rítmica de respeito. Aqui se encerrou o “Concerto For Group and Orquestra”, e pudemos presenciar a genialidade de Jon Lord da melhor forma possível!

Fecham-se as cortinas para um breve intervalo. Na sequência, o evento mais aguardado de todos: Bruce Dickinson interpretando clássicos de sua carreira solo e do Deep Purple!

Lembro aqui que a Criatura tomou para si a responsabilidade de interpretar a obra do Criador. Como é sabido por todos, Bruce Dickinson tem no Deep Purple e Ian Gillan, suas maiores inspirações musicais. Então para o vocalista estar ali, neste grandioso projeto, é de uma honraria indescritível! Imagine só você com a responsabilidade de estar à frente de um projeto homenageando o seu maior ídolo? Certamente seria uma sensação surreal.

Foto: Jeff Marques

A segunda parte do espetáculo se iniciou com a realização de nossos mais longínquos sonhos em relação à carreira solo de Bruce. Após uma breve introdução acústica, os melódicos acordes atingiram diretamente nossos corações, fazendo muitos dos que estavam ali presentes imediatamente se derreterem em lágrimas. Uma das mais belas canções de nosso vocalista começava, Tears Of The Dragon, do clássico álbum Balls To Picasso de 1994. E aqui começarei a ser extremamente repetitivo, portanto, de antemão, já lhes peço desculpas... mas como pode ser tão absurda a potência que é Bruce junto de sua voz?! Que artista magnífico! Seguramente afirmo que os 64 anos de idade deste velho senhor não são capazes de pará-lo. Uma interpretação digna dos deuses, que merecidamente recebeu os mais altos aplausos e vibração de todos nós. Uma atuação poderosa, convicta, consistente e inspirada que, somada à performance fantástica de Kaitner Z Doka e sua guitarra, deixou esta clássica canção ainda mais bela e emocionante. Obrigado, Bruce, nossos mais sinceros agradecimentos por nos proporcionar esse momento tão especial.

Foto: Jeff Marques

Após muita ovação do público, Paul Mann regeu a orquestra para a introdução de uma viagem épica a um longínquo tempo em que os cruzados buscavam erguer uma nova terra sagrada. Jerusalem, com todas as suas nuances progressivas, certamente foi um grande flerte de Bruce com esta vertente que deu as caras no místico The Chemical Wedding, de 1998. LET IT RAIN. LET IT RAIN. E realmente choveu! E em meio a essa chuva, Bruce foi trovão! Que interpretação mágica e poderosa. É inexplicável como somos amarrados e atraídos para dentro de um mundo histórico que ganha ainda mais magia através de uma mente tão genial.

A partir daqui, teve início a viagem pelos clássicos absolutos do Deep Purple. A orquestra ditava o tom de suspense e mistério. Que música estaria por vir? Pensavam todos na plateia, sozinhos em sua consciência. Mas Bernard Welz, respondendo à saudável provocação de Bruce, dava a poderosa introdução em sua bateria para começar Pictures Of Home. Naquele momento não estávamos sozinhos, a casa estava cheia e embalada ao ritmo e harmonia que John O’HaraTanya O’Callagan e Kaitner Z Doka nos proporcionaram.

Foto: Jeff Marques

Após a euforia inicial do set Deep Purple, fomos tomados por uma tristeza orquestrada, um instrumental melancólico acompanhado de um tenro solo de guitarra que foi capaz de atingir o âmago da alma. O peso que o homem cego sentiu, o calor de suas lágrimas ao chorar de forma dolorosa, só Deus sabe o que se passou no coração daquele homem, mas Bruce externalizou essa dor e interpretou esplendorosamente o sentimento presente em When A Blind Man Cries. É incrível como Bruce brinca de cantar, vocalmente navegando dos mares mais tormentosos até as águas mais calmas e serenas. Não foi apenas o homem cego que chorou...

Aqueles que presenciaram o espetáculo, estavam em um verdadeiro passeio em uma montanha-russa musical, indo aos extremos das sensações, isso porque, após a melancolia, injetaram em nós uma dose cavalar de energia com o ritmo badalado de Hushcanção original de Joe South e que foi eternizada com Deep Purple. O homem quando está enfeitiçado por uma mulher, entra em uma espiral maluca, não é mesmo?! E Bruce sabe muito bem interpretar isso, e assim conduziu uma verdadeira festa acelerada pela performance frenética de John O’Hara nos teclados. O legado de Jon Lord foi bem representado nesta noite. Naaaa na na naaa na na naaaa na na naaa. Hush. Hush.

Foto: Jeff Marques

Finalizando o setlist inicial, vimos que Bruce não é nada estranho, mas é um artista perfeito! Que força da natureza é este senhor de 64 anos de idade detentor de um vocal potente e poderoso. Que atmosfera que estávamos imersos e que nos deixou atônitos! Era perceptível que Bruce cantava e esbanjava sua voz com muita alegria e orgulho ao interpretar os clássicos de seus ídolos. Sorte a nossa, que fomos agraciados com uma apresentação épica em Perfect Strangers.


Foto: Jeff Marques

Uma pequena pausa... banda e orquestra assiduamente aplaudidos e ovacionados novamente. E com total razão e merecimento. Que noite que todos ali estavam proporcionando para a cidade de São Paulo. O espetáculo caminhava para o seu fim, era hora do BIS.

Mas... nada de estranho? Algo faltando em uma apresentação até então irretocável? Quando falamos de Bruce Dickinson, certamente há um elemento que até aquele presente momento não havia ocorrido... digamos que cinco palavras que formam uma frase mágica: SCREAM FOR ME SÃO PAULO!

Foto: Jeff Marques

Bruce é um verdadeiro frontman, com uma presença de palco espetacular e que sabe como ninguém conduzir multidões. É um verdadeiro camisa 10 que sabe muito bem cadenciar um jogo. E bastou apenas se utilizar de um tom calmo e sereno para proferir o seu famoso “Scream For Me... São Paulo” para que deixasse todos ensandecidos. E assim os lendários acordes de Smoke On The Water deram o tom nesta reta final. Clássico é clássico. Indiscutível. E é bom pontuar que este foi o momento da quebra de protocolos, definitivamente não dá para apreciar um show de rock sentado, por mais que a proposta seja o clássico erudito. Bruce sabe disso, então pediu para que todos levantassem. E em posse de sua batuta, conduziu os mais de 4 mil presentes até em um coro sem instrumentos, somente as vozes dos fãs. Que momento épico e espetacular!

Foto: Jeff Marques


O primeiro bis já havia esquentado o clima da apresentação, mas ainda não era o suficiente. Definitivamente não era o suficiente. Ainda era necessário mais. E para a nossa surpresa, Burn tratou de incendiar o Vibra São Paulo! O clássico eternizado na voz de David Coverdale foi a chave de ouro desta turnê, e que até então não havia dado as caras nos shows anteriores. Nenhuma bruxa foi queimada aqui, apenas nossos corações, graças a performance extremamente absurda que Bruce Dickinson tratou de banhar com muito combustível! Pelo amor de São Steve Harris das Cordas ImpossíveisBruce... o que foi aquilo? Sustentando as notas altas de um jeito que só o próprio sabe fazer, gritando, potencializando cada vez mais suas cordas vocais. É muito difícil não ser repetitivo quando estamos de frente para uma força da natureza! E Jonh O’Hara e Kaitner Z Doka trataram de colocar ainda mais lenha na fogueira ao performar solos de teclado e guitarra excepcionais e Paul Mann conduzindo a OSESP, tratou de soltar as faíscas necessárias para o fogo não acabar! Buuuuuuuuuuurrrrrrrrrrrrrrrrn.


Foto: Jeff Marques

Sem sombra de dúvidas, para os apaixonados pelo bom e velho rock and roll essa foi uma das experiências sonoras mais incríveis de todas. Todos puderam presenciar em uma magnífica Noite de Gala um verdadeiro espetáculo conduzido por músicos incrivelmente talentosos. Afirmo que o genial legado e obra de Jon Lord está sendo respeitosamente trabalhado com primor no projeto “Concerto for Group and Orchestra”! E mais uma vez, todos os aplausos para a banda composta por Jonh O’HaraTanya O’CallaganKaitner Z Doka e Bernard Welz, o maestro Paul Mann e a magnífica Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. E sobre Bruce Dickinsoné impossível encontrar algum adjetivo que consiga definí-lo em apenas uma palavra, nem o tempo é capaz de pará-lo.

Esta foi a primeira das quatro apresentações do projeto aqui no Brasil. A próxima parada será no Curitiba e na sequência Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Finalizo esta grande resenha deixando meus mais sinceros agradecimentos à MCA Concerts e Midiorama pela parceria.

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Setlist da apresentação:

Primeiro Ato:

1. Concerto For Group And Orchestra - Primeiro Movimento: Moderato – Allegro

2. Concerto For Group And Orchestra - Segundo Movimento: Andante

3. Concerto For Group And Orchestra - Terceiro Movimento: Vivace – Presto

Segundo Ato:

4. Tears Of The Dragon / (Bruce Dickinson)

5. Jerusalem / (Bruce Dickinson)

6. Pictures Of  Home / (Deep Purple cover)

7. When a Blindman Cries / (Deep Purple cover)

8. Hush / (Deep Purple cover)

9. Perfect Strangers / (Deep Purple cover)

Bis:

10. Smoke On The Water / (Deep Purple cover)

11. Burn / (Deep Purple cover)

 

Foto: Jeff Marques

 


Sobre Murilo Araujo

Murilo Araujo

1 comments:

  1. Que artigo perfeito, detalhado, acessivel, sobre o grande show. O autor passa uma aula p quem quer se informar antes de assistir.Parabéns!

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