Com Bruce Dickinson, o discurso de vendas nunca para. Em maio, o vocalista do Iron Maiden esteve no Brasil e, em uma longa conversa com a Época NEGÓCIOS, falou sobre seus muitos empreendimentos, a luta contra o câncer e também sobre os desafios - e os prazeres - de tocar um negócio. Além de vocalista do Iron Maiden, Bruce é um empreendedor em série: investe em empresa de aviação, turismo espacial, drones e cerveja - tem dinheiro alocado também no projeto de um dirigível.
Nesta conversa, pela primeira vez à imprensa brasileira, Bruce contou em detalhes a crise que enfrentou na Cardiff Aviation, empresa de manutenação de aeronaves que fundou em 2012 e de como fez para superá-la. Em posse de sua recém-lançada autobiografia, Bruce Dickinson, uma Autobiografia: O que faz esse botão?; Editora Intríseca, o músico também relembra momentos cruciais à frente do Maiden e em três lições conta uma bela história sobre a importância da determinação para chegar ao sucesso - nos palcos e também nos negócios.
Com uma fortuna estimada em 100 milhões de libras (perto de R$ 500 milhões) - que ele não confirma - Bruce, nem pensa em parar. "Está difícil equilibrar todas as atividades, mas ainda tenho muitos projetos em mente." Aos 59 anos, ele acaba de estrear na Europa (em 26 de maio), a nova turnê do Maiden: The Legacy of the Beast, que segue até agosto, com final em Londres.
Veja as lições de Bruce e por que elas foram importantes em sua trajetória.
1. Entenda o quão difícil vai ser
"Seja qual for a empreitada, é crucial ter em mente que grandes objetivos dão trabalho para serem alcançados. “Entenda o quão difícil vai ser e, se o projeto falhar, aceite como parte de sua curva de aprendizado. Há uma razão para que algo não funcione. Esteja preparado para longos dias e madrugadas para colocar seu projeto em pé. Não tenha medo de tentar novas abordagens e procure maneiras criativas de resolver problemas. Não importa o quão louca sua ideia possa parecer”, diz Bruce.
No palco - O desafio de “The Number of the Beast”
Bruce decidiu ser cantor e tornou-se um astro - com o Maiden, contabiliza mais de 85 milhões de discos vendidos. Por sua capacidade de alcançar notas altas e também de fazer as passagens (de uma nota para outra) de forma perfeita é considerado por muitos (incluindo tenores) como uma das melhores vozes masculinas do rock.
Mas, mesmo com essas credenciais, não dá para simplesmente “subir no palco e arrebentar”. Bruce, ao longo de sua carreira, aperfeiçoou-se por meio de diversas técnicas e constantes cuidados vocais (ele nunca fumou cigarro, por exemplo, e sempre foi comedido em relação às drogas, entre outros motivos, para preservar a voz). Bruce, além disso, também elevou o nível de suas apresentações ao levar para o palco habilidades que aprendeu em cursos de teatro. O sucesso chegou com trabalho duro e sacrifícios.
Em sua autobiografia, Bruce lembra o enorme desafio que foi gravar “The Number of the Beast”, a música que tornou-se um dos maiores clássicos da banda - e do rock. Bruce era recém-chegado ao Maiden, que já fazia sucesso com dois discos gravados. “Eu queria despejar os vocais e banhar-me de glória”, diz. Só que a história não correu bem assim.
Depois da introdução sussurada (com trechos bíblicos narrados por um radialista inglês), vem dois versos… “I left alone, my mind was blank. I needed time to think to get the memories from my mind…” e, em seguida, um grito “nem muito agudo, nem muito exigente”, nas palavras de Bruce. “Achei que poderia fazer em poucos takes para sair alto e bombástico.” Mas o tal grito não vinha. Bruce e Steve Harris já haviam ficado o dia e a noite toda no estúdio até que, de saco cheio por não alcançar o que queria, Bruce saiu jogando móveis contra as paredes para depois isolar-se mal-humorado num canto qualquer. Foi quando o já experiente Martin Birch, produtor de vários discos da banda (e também do Deep Purple e do Black Sabbath), chegou e disse: “Não é tão fácil, não é mesmo?”.
Bruce conta que foi ali, depois da conversa, que entendeu a diferença entre “cantar um verso e incorporá-lo”. “Havia um muro erguido por mim mesmo (para a perfeição) - era meu ego”. A lição serviu para a sua música e até hoje também nos negócios.
Nos negócios - Sem ego para enfrentar a primeira crise
“Todo mundo precisa de ego”, diz Bruce. Sobretudo, se a ideia é conquistar algumas dezenas de milhões de fãs ou levantar negócios promissores. É preciso entender, no entanto, a hora de deixá-lo de lado para efetivamente mergulhar em alguma nova experiência, aprender e seguir em frente.
Como cofundador da Cardiff Aviation, empresa de manutenção de aeronaves, o músico teve de enfrentar uma prova difícil. Bruce investiu no negócio, em 2012, inicialmente apenas pela paixão que tem por aeronaves. "Tinha um prédio vazio e vi uma oportunidade. Queria encher o lugar de novo de aviões", diz Bruce. Situada nas imediações de Cardiff, a capital do País de Gales, no Reino Unido, a empresa teve um bom início, atendendo a várias companhias áreas da região. Em meados de 2015, no entanto, a Cardiff começou a passar por uma crise. Os contratos minguaram e, em 2016, a empresa ficou praticamente sem dinheiro em caixa. “Foi uma fase muito dolorosa”, disse Bruce. “Nós estávamos fazendo as coisas de um jeito errado. Pegávamos pedidos que não dava para atender e coisas do tipo. Então, demiti o executivo da operação e passei a comandar diretamente as mudanças.” Nesse período, Bruce foi a público, pediu desculpas por eventuais erros da companhia aos clientes e aos profissionais envolvidos no negócio. Segundo a imprensa britânica, o músico chegou a colocar mais de 300 mil libras do próprio bolso (perto de R$ 1,5 milhão) para pagar o salário dos funcionários nos meses de maior dificuldade.
Em seguida, Bruce muniu-se de uma série de planilhas, desenhou apresentações no Power Point e foi em busca de investidores. Agora, já comemora um contrato recém-assinado de quatro anos com a Tui Airways, companhia aérea de vôos fretados e terceira maior do Reino Unido em total de vôos, além de outros prestes a serem confirmados com duas outras grandes empresas britânicas. “Que diferença de um ano atrás”, diz Bruce. “Estou muito satisfeito com essa virada.” Os problemas, segundo ele, ainda não estão totalmente resolvidos. Mas, agora, a Cardiff já tem fôlego para conquistar novos clientes e buscar investidores - inclusive nos Estados Unidos.
“O melhor é que conseguimos manter o emprego das pessoas e vamos contratar mais gente”, diz Bruce. “Eu vim da classe trabalhadora. Pude estudar, virei astro de rock, mas gosto de usar meu dinheiro em negócios que dão emprego, que dão oportunidade às pessoas.”
2. Brigue por seu próprio espaço
Bruce alcançou o sucesso em várias empreitadas fora da música. Foi apresentador de programas de rádio na BBC de 2002 a 2010, escreveu roteiro para cinema (Chemical Wedding, uma ficção de 2008, baseada na vida do ocultista britânico Aleister Crowley) e, como esgrimista, chegou a ser o sétimo melhor da Grã-Bretanha representando o país em campeonatos regionais.
Para destacar-se em tantas áreas, Bruce muniu-se de uma forte determinação. Em alguns casos, agiu como o típico CDF, debruçando sobre livros e apostilas para estudar um tema ou passando horas em salas de aulas ou com treinadores. Questionado sobre como é possível conciliar tantas atividades a uma carreira musical - levando todas tão a sério - ele diz: "Eu sempre encontro algo a aprender, sempre vislumbro as coisas novas", diz Bruce. "Então, não me canso."
No ar - Dez anos como piloto comercial
Apaixonado por aviação, Bruce trabalhou por mais de dez anos como piloto comercial da Aestrus, uma empresa de Sussex, na Inglaterra, que fazia voos fretrados para diversos cantos da Europa e Ásia. Começou na empresa em 2001 como copiloto até chegar a capitão do 757. Ele alternava suas viagens com as turnês do Maiden.
A jornada no comando de aeronoaves havia começado muito tempo antes, em 1992, quando ele fizera a primeira aula de pilotagem durante um período de férias. Ainda hoje ele costuma carregar manuais das máquinas que pretende pilotar para onde quer que vá. "Com o tratamento para o câncer, foi preciso tirar licenças e autorizações novamente", diz Bruce. "Mas fiz tudo com o mesmo entusiasmo."
No palco - Chega para lá, Steve
Brigar pelo próprio espaço nunca foi um desafio para o músico. Ele fez isso desde o início da carreira - às vezes, literalmente, quando teve de brigar por seu quinhão no palco com Steve Harris, o baixista, líder e “chefão” do Maiden.
Quando fez sua primeira turnê com a banda para The Number of the Beast, o Maiden já havia estourado, com o single “Run to the Hills” em primeiro lugar no Reino Unido. Harris, como líder do grupo, insistia em ficar à frente no palco. Bruce, tinha outra ideia: “Se estou cantando, quem fica na frente sou eu. Não vou cantar olhando para bunda dele”, diz em seu livro. "No início, me apresentei “com metade do baixo (de Harris) enfiado em meu nariz”, conta. Logo, decidiu contra-atacar. Bruce adotou um pedestal de microfone com pernas “ridiculamente longas, cujas bases pareciam uma antena externa de TV”. Era uma forma de demarcar espaço. Como resultado da ofensiva, depois do show, houve discussão no camarim e Harris esbravejava: “Ele tem que sair dessa porra dessa banda”. “Não saio. Comigo vai ser diferente…”.
Bruce acabou se afastando do Maiden, mas somente muito tempo depois e por um período específico. Voltou, em 1999, depois de um telefonema do próprio Harris. “Eu sabia que a partir dali, poderíamos ser melhor do que jamais tínhamos sido”, diz Bruce, em seu relato biográfico.
3 - Cuide de seu nicho
Com Bruce Dickinson, o discurso de venda nunca para. E isso não é ruim. "Se você consegue fazer as coisas com honestidade e paixão, você leva o público para onde quiser", diz Bruce.
No palco e nos negócios
Desde que tornou-se também um palestrante de negócios, Bruce passou a repetir: "transforme seus clientes em fãs". A frase poderia ser apenas mais uma dos muitos clichês motivacionais, mas ela faz sentido vindo de alguém capaz de ainda levantar multidões.
Fato é que Bruce sempre tratou seus fãs com especial atenção e soube aproveitar essa relação para alavancar os negócios.
Desde 2013, o Iron Maiden tem um licenciamento com a cerverjaria Robinson, de Stockport, nas imediações de Manchester, para a venda da Trooper - que leva o nome de outro grande sucesso da banda e cuja concepção foi feita com ajuda de Bruce.
De tempos em tempos, ele próprio recebe uma série de fãs na cervejaria para degustar a cerveja. Distribui autógrafos, faz fotos. A Trooper não é a cerveja favorita de Bruce - ele prefere a Fuller´s ESB - produzida pela Fuller's, cerverjaria de Chiswick, em Londres. Mas o empenho de Bruce para atender seus clientes na hora de promover a Trooper certamente ajudou a fazer da marca um sucesso - em cinco anos já foram vendidos mais de 20 milhões de pints (a medida inglesa para o copo de cerveja).
A história do Ed Force One, o Boieng 757 adaptado que serviu para transportar o Maiden e todos os equipamentos de show durante as turnês mundiais por muitos anos, veio de uma vontade Bruce de atender seus fãs. Antes do Ed Force One, Bruce havia fretado ele próprio um 737 para carregar alguns fãs durante uma turnê do Maiden pela Europa, batizando o conceito de “Bruce Air”. Recrutou uma equipe para administrar passagens e reservar hoteis nos destinos, montou sacolas com souvenires da banda e mesmo após as horas de voo pilotando, abria o sorriso para fotografar com cada um dos passageiros que se dispôs a comprar um bilhete da excursão. Ele fez o mesmo agora, para o lançamento do "The Book of Souls", o mais recente álbum do Maiden, o 16º de estúdio, levando um grupo especialmente para Paris nos mesmos moldes.
Bruce não para e não tem pudor em vender o próprio peixe em todas as oportunidades. Em 2015, ele chegou a montar um ponto de venda da luxuosa Harrods, em Londres, e fez plantão ali para divulgar o Eclipse 550, um jatinho de pequeno porte fabricado pela Aeris, empresa na qual ele tinha participação à época. “Eu me envolvo de verdade nos negócios dos quais participo porque só coloco dinheiro nas coisas em que acredito”, diz Bruce.
Fonte: Época Negócios
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